Argumentação do TRE-MS que salvou mandato da prefeita “beira a ingenuidade”, diz Ministério Público
O procurador regional eleitoral Luiz Gustavo Mantovani recorreu ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para reformar a decisão que salvou o mandato da prefeita Adriane Lopes (PP) e de sua vice, Camila Nascimento (PP), acusadas de terem sido eleitas por meio da compra de votos nas eleições do ano passado.
Foram favoráveis à cassação os juízes Vitor Luis de Oliveira Guibo e Fernando Nardon Nielsen. Contra a cassação se manifestaram Márcio de Ávila Martins Filho, Sérgio Fernandes Martins, Carlos Eduardo Contar, Alexandre Antunes da Silva e Carlos Alberto Almeida.
Por meio de Recurso Especial Eleitoral, o procurador sustenta que os juízes do Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso do Sul (TRE-MS), mesmo que favoráveis à manutenção dos mandatos, reconheceram que há provas nos autos de que houve compra de votos.
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Mantovani deixa claro já nas primeiras frases do recurso que “este não pretende realizar reexame de prova sobre a materialidade da captação ilícita de sufrágio”, já que, argumentou, “como se verifica dos votos dos membros do TRE/MS, restou incontroversa a questão sobre a existência de provas que evidenciam a prática do ilícito previsto no art. 41-A da Lei das Eleições”.
Provas robustas
Para ele, o conjunto fático-probatório da prática do crime “já está desempenhado adequadamente pelo Tribunal Regional, quando do proferimento do acórdão recorrido”.
O que ele busca com o recurso, pontuou Mantovani, “é apenas a correta interpretação e aplicação das normas que tratam sobre a anuência e participação das candidatas recorridas na prática da captação ilícita de sufrágio já reconhecida, utilizando-se das mesmas premissas fáticas devidamente delineadas no acórdão do TRE/MS”.
Na peça recursal, ele coloca em destaque o voto dos juízes, mesmo dos que se manifestaram contra a cassação dos mandatos, ao reconhecerem que houve a compra de votos.

No recurso, Mantovani insiste que Adriane e Camila sempre estiveram a par do processo de compra de votos, ao qual anuíram e inclusive dele se beneficiaram eleitoralmente.
A tese dos 5 juízes que votaram contra a cassação tem como premissa central “a falta de provas” de que as duas políticas tinham conhecimento das irregularidades.
“Considerados os relatos de compra de votos e as provas documentais juntadas que corroboram as testemunhas, embora não haja imputação direta de Adriane Lopes, mediante sua participação pessoal na execução dos pagamentos – prova que razoavelmente não se espera que exista, dada a natureza do ilícito – é evidente que os atos foram praticados por participação indireta, mediante ciência e anuência das investigadas acerca das práticas ilícitas conduzidas por seus subalternos”, escreveu Luiz Mantovani.
Segundo ele, o recurso “busca a revaloração da análise das provas promovida pelo Tribunal Regional Eleitoral, a partir de duas vertentes: valoração material e valoração lógica das provas”.
Ingenuidade dos juízes
O argumento da sentença do TRE-MS de que “não restou cabalmente demonstrado nos autos a participação (direta ou indireta) ou a anuência delas, na condição de beneficiárias, nos ilícitos”, segundo Mantovani, “beira a ingenuidade”.
“É inimaginável que os servidores envolvidos no ilícito, diretamente ligados ao gabinete da Prefeita, tenham agido – na prática de ato tão grave – sem a anuência ou autorização expressa da candidata, ou, ainda pior, que tenham comprado votos para favorecer outra campanha”, argumentou o procurador.
E arrematou: “falar em ocorrência de ilações ou presunções, neste tema, seria desafiar a própria realidade de como tais atos ilícitos ocorrem. A interpretação jurídica de se exigir prova do envolvimento direto da investigada e então Prefeita de Campo Grande, nos moldes como exigidos pela maioria do TRE/MS, afronta a própria inteligência decisória e a efetividade da Justiça, pois é de conhecimento público e notório que ilícitos desta natureza são praticados mediante a segmentação de atos, com o completo afastamento do candidato dos atos executórios.”
Em verdade, os votos dos juízes pela improcedência da captação ilícita de sufrágio reconheceram, de forma implícita, que tal ilícito somente seria possível mediante a comprovação de fatos que jamais existirão, tais como a “emissão de recibos” ou o “envio de PIX” diretamente pela candidata beneficiária.
Compra de votos “autorizada”
Mantovani cita ainda a necessidade de se reformar a decisão do Tribunal Regional Eleitoral porque a tese consagrada no julgamento “consiste em perigosíssimo precedente de autorização pró-futuro da prática de compra de votos por candidatos, bastando, para tanto, que estes não se envolvam diretamente na sua execução”.
“É evidente a ciência e anuência da investigada – e principal beneficiária do esquema de compra de votos – a partir da existência de comprovante de transferência PIX efetuada por sua assessora de gabinete (Simone Bastos Vieira) para testemunha que afirma textualmente que atuou na compra de votos para sua campanha (Sebastião Martins Vieira), também operacionalizado pelo motorista oficial do gabinete da Prefeitura (Rodrigo Hata), robustamente corroborada pelos demais elementos de prova dos presentes autos”, continua Mantovani.
E prossegue: “Diante de cenário tão robusto de comprovação da compra de votos, corroborado pela maioria dos membros do TRE/MS, aplicando-se entendimento jurídico divergente sobre a ciência inequívoca das, é impossível não se questionar: Quem compraria votos senão a própria candidata beneficiada? Quem, senão a campanha eleitoral das investigadas, arcou com os valores pagos por Simone, servidora do gabinete da Prefeita, para compra de votos? Quem, ao final, foi beneficiado(a) pelo ilícito (compra de votos) cuja existência foi entendida como comprovada por ambas as instâncias judiciárias?”
Diferença de votos
“Por fim, mais uma vez equivocado o entendimento do Relator do feito, ao fundamentar que ‘a diferença de votos entre as candidaturas concorrentes e a ausência de desequilíbrio substancial da disputa afastam a conclusão de quebra da legitimidade ou normalidade do pleito’”, continua o procurador eleitoral, ao citar julgado do próprio TSE.