O assassinato do jovem Lúdio Coelho Filho (“Ludinho”) – Parte 2

(Continuando…) Marco Antônio Rodrigues, que morava em Três Lagoas, mas quando viajava para Campo Grande procurava uma garota chamada Josélia Rosa da Costa (“Jô”). A Jô era uma moça bonita que transitava entre os jovens bem-nascidos do centro da cidade e os marginais da periferia, e ela oferecia o que todos mais queriam: droga e sexo.

Marco Antônio se encontrou com Jô em uma casa usada por ela para encontros amorosos (garçoniere) pertencente a um homem casado, e cuja família estava no Paraná. O homem era oficial da PM. A garçoniere ficava no bairro Guanandi, e era próximo do Bairro Aero Rancho.

A história que Marco Antônio ouviu, e depois repetiu para o gerente do banco Financial em Três Lagoas, foi que um mês antes do seqüestro Jô dizia que o amante iria extorquir um fazendeiro em R$6 milhões nos próximos dias. Mas aquilo não fazia sentido porque Jô contava muitas histórias desse tipo, mas com o “Caso Ludinho” tudo mudou.

O delegado Fleury soube do boato e colocou a polícia para segui-la. O que as fotos mostram é ela se encontrando na rodoviária com o amante PM comprando passagem (usou nome falso) para Presidente Prudente, onde foi nos Correios para encaminhar uma carta de resgate.

Jô foi presa em Presidente Prudente, e ao ser interrogada por Fleury contou todo o plano, do seqüestro à morte de Ludinho. A morte ocorreu porque passou um carro de som chamando para um comício político no bairro, e essa informação poderia ser usada pela polícia para localizar posteriormente o cativeiro. O cativeiro na verdade era uma garçoniere usada também para orgias sexuais regada a muito álcool e drogas, mas que após a morte foi limpa e para lá iriam se mudar o amante e Jô. Enquanto o delegado Fleury continuava as diligências surgiu outra testemunha. O cabo da PM Luiz Targino de Araujo era motorista do tenente-coronel Carlos Figueiredo comandante do 2º Batalhão.

O cabo procurou o chefe e contou o que sabia: “os responsáveis pelo seqüestro do Ludinho é do batalhão”. Porém o coronel não quis saber porque entraria de férias e depois seria aposentado (reformado), e depois, nenhum seqüestrador contaria os planos para outros. O cabo só poderia ser louco. O cabo Targino procurou o amigo conhecido como Jaquinha, PM ex-guarda-costas de Pedro Pedrossian (o “Caso Ludinho” ocorreu durante o governo Garcia Neto).

O PM Jaquinha colocou o cabo em contato com os irmãos Coelho, e o delegado ouviu a história. O que contou seria loucura mesmo, mas Fleury achou verdadeira porque tinha Jô, presa em local que apenas sua equipe sabia (Jô seria uma convidada do delegado e não custodiada, ou seja, apenas um eufemismo para burlar a lei).

O tenente Aramis era o líder do grupo de seqüestradores composto pela própria esposa Iolanda Grizahay Ramos, o tenente Machado e sua amante Jô, e o advogado Cláudio Mendel Garcia. O cabo Targino era amigo do tenente Aramis, e suas mulheres também muito amigas, e isso seria improvável se o cabo não tivesse um caminhão que trazia muamba do Paraguai para revender em Campo Grande e o tenente não usasse seus contatos para que a mercadoria chegasse sem apreensões. A esposa de Targino, Adair, disse que não gostava da amiga Iolanda porque ela conversava muito “e seria muito vantajosa”, e isso não agradava a uma mulher simples que veio da roça.

O tenente comprou um maverick em parcelas a serem pagas em dois anos, e colocou o cabo como avalista. O carro na época era muito desejado, mas a maioria comprava fusca (dois meses de salário de um coronel da PM). O problema é que o tenente não pagava as parcelas e o cabo teve que pagar e isso comprometeu as suas contas também porque o caminhão estava sendo pago, e seria tomado pelo banco. Irritado o cabo pressionou o tenente que propôs dar R$250 mil.

O plano do seqüestro foi exposto. Mas o cabo ficou com tanto medo de dar errado que vacilou. O tenente chamou um amigo de Três Lagoas, o advogado Cláudio (o seu irmão e um amigo dele acabaram presos depois porque serviram como “pombo-correio” nos encontros em que discutiram o seqüestro) topou, porém falhou na data marcada, na quarta-feira e quinta-feira. O tenente Aramis chamou a esposa Iolanda para ser a motorista.

O seqüestro aconteceu com Aramis parando Ludinho perto da casa dele, e depois sendo retirado do carro sob a mira de uma arma (a mesma que depois foi usada no assassinato, e que tinha sido apreendida nas ruas pelo tenente), e no maverick o jovem acabou sendo dopado com éter e tido suas orelhas e olhos vedados com algodão e esparadrapo.

O corpo de Ludinho foi encontrado da mesma forma, com olhos e ouvidos vedados com algodão e esparadrapo. Segundo os seqüestradores era para evitar que ele visse e ouvisse alguma coisa que pudesse reconhecê-los depois. Mas Ludinho sabia quem eram eles, e essa foi a razão de sua morte, ele os reconheceu.

O trunfo dos seqüestradores era que os dois tenentes ajudariam nas buscas, mas não esperavam que o delegado Fleury assumisse as investigações e coordenasse a polícia, e souberam dele ainda pela manhã de domingo, e isso os deixou muito preocupados, sem contar que com o plano em execução viram que havia muitas falhas, com muita gente sabendo de tudo, como as duas mulheres que participaram desde o começo e levava o caso como uma grande aventura.

O tenente Aramis resolveu matar Ludinho para esquecer todo o caso. A “Operação Juriti” ocorrida em 1974 foi a execução de um grupo de militantes políticos brasileiros e que estavam

na Argentina. Os brasileiros foram convencidos por infiltrados (os “Cachorros”) a voltarem para o Brasil e continuarem a luta contra o Governo de 1964. O plano para ter o aval do general Figueiredo para decretar as mortes contava com os informantes apontando planos para o assassinato do delegado Fleury para vingar a morte de Maringuela em 1969. Os militantes liderados por Onofre Pinto acabaram caindo na armadilha em Foz do Iguaçu e mortos pela equipe liderada pelo tenente Aramis.

O delegado Fleury suspeitou da participação de homens ligados à repressão assim que viu a cena do crime e o corpo de Ludinho. Tudo era familiar, mas mesmo assim estendeu a rede de investigação e foi chegando cada pista (segundo ele haviam 18 pistas a seguir ainda naquela segunda-feira), e foi com cautela que repassava informações para a polícia local porque as informações mais promissoras compartilhava apenas com sua equipe.

Desfecho

O caso foi a julgamento em maio de 1977, e o juiz Amilcar condenou o tenente Aramis a 33 anos de prisão, a sua esposa Iolanda a 27 anos, o tenente Machado a 29 anos, a sua amante Jô a 10 anos (e depois reduzido para 5 anos porque se descobriu que era menor de idade), e o advogado Cláudio a 12 anos. O irmão de Cláudio, o estudante de economia Mário Bruno Garcia e o seu amigo Aloísio Bahls Papi, que sabiam do seqüestro não chegaram a ser denunciados pela morte de Ludinho. O governador Garcia Neto excluiu (demitiu) os dois tenentes da PM.

O ex-comandante do 2º Batalhão e o cabo Targino também sofreu punições menores. Após a revelação dos acusados pela imprensa o então comandante Carlos de Figueiredo mandou prender o cabo por participação no seqüestro e abriu um inquérito, mas o secretário de segurança coronel Évora afastou o tenente-coronel Figueiredo, e também abriu um inquérito para apurar a sua omissão no caso.

O que o inquérito do 2º Batalhão apurou foi que o tenente Aramis e o cabo Targino desviaram munições do almoxarifado e armas apreendidas. A busca na casa de Aramis levou a apreensão de uma caixa com 50 kg de munições (que o cabo havia dito que haveria) e algumas granadas desviadas do batalhão do Exército de Foz do Iguaçu. A defesa do cabo Targino foi que ao tomar conhecimento das atividades ilegais do tenente Aramis procurou levar às autoridades. É claro que a narrativa do cabo foi considerada como verdadeira porque quem o acusava eram policiais militares sujos e assassinos frios.

O tenente Machado foi preso em Cuiabá quando foi buscar novas viaturas para o policiamento em Campo Grande. O normal seria um oficial superior fazer esse acompanhamento, e não se soube como o tenente mexeu os pauzinhos para ele passar a semana em Cuiabá, longe de Campo Grande. Isso pouco importava para o delegado Fleury, que deixou a viagem acontecer, da mesma forma, deixou o RH liberar o tenente Aramis para visitar a mãe em Caraguatatuba.

O delegado Fleury sabia como pensavam os militares. Os militares têm a diretriz primária de defesa do espaço começando por delimitar a própria área pessoal usando os braços (como organizando uma fila), e por esse motivo as prisões aconteceram longe de Campo Grande. O tenente Machado entregou pacificamente a sua arma, e o tenente Aramis, mesmo armado com uma pistola, dois carregadores, e mais cinqüenta munições também não reagiu.

O mesmo senso levou o ex-tenente Machado a denunciar uma fuga do presídio de Campo Grande ao juiz Amilcar. O plano de fuga envolvia o pai de Aramis, em Belo Horizonte, que alugaria um avião para a fuga. Depois dessa denúncia, ou “dedo-duragem” os dois amigos romperam a amizade. A fuga aconteceu em 1981 e antes que o ex-tenente saísse dos limites do presídio foi fuzilado pela guarda carcerária.

O ex-tenente Aramis deveria saber que o plano de fuga era o mesmo da “Operação Juriti” que ele executou em 1974. Alguns amigos apareceram apontando negócios promissores no Paraguai e o levaram a sair de livre e espontânea vontade da sua área de segurança (o presídio). O ex-tenente Machado sabia que no presídio não seria morto, e após cumprir dez anos de prisão continuaria sendo protegido dos poderosos por seus ex-chefes do Exército. O ex-tenente Machado virou comerciante no Paraná e hoje é um avô dedicado aos netos.

P.S: O mega-latifundiário Lúdio Coelho, pai de Ludinho, morreu em março de 2011, aos 88 anos.

P.S.²: Os bandidos que sequestraram e mataram Ludinho foram quase todos mortos depois do crime que chocou  não só Mato Grosso, mas todo o Brasil. O herdeiro bilionário fora uma das  primeiras vítimas da violência por meio do sequestro no país. O episódio inspirou uma das músicas mais conhecidas da canção sertaneja, “Lágrimas que choram” nas vozes da dupla mais famosa da época, Milionário e José Rico.

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