Semana Nacional de Trânsito, que começa na segunda-feira (18), convida toda a sociedade a fazer uma reflexão sobre o papel de cada um, inclusive das autoridades
Todos os anos, a Semana Nacional de Trânsito surge como uma oportunidade para intensificar as campanhas educativas, fiscalizações e reflexões sobre o comportamento dos motoristas nas ruas e estradas brasileiras. Em 2024, o “evento” acontece entre os dias 18 e 25 de setembro e traz como tema “Paz no trânsito começa por você”, para reforçar a responsabilidade individual visando promover um ambiente mais seguro e humano nas ruas.
Contudo, a questão que persiste é: como efetivar mudanças estruturais e mensurar o sucesso dessas campanhas sem dados confiáveis e atualizados? O que deveria ser uma prioridade básica — a coleta de informações precisas sobre acidentes de trânsito — é frequentemente negligenciada pelos órgãos de trânsito.
Tanto é assim que a Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran) divulgou um ranking mensal para destacar os estados que estão em dia com o envio de dados – expondo aqueles que estão em débito. Isso revela uma enorme deficiência na infraestrutura de gestão de informações, com estados como Mato Grosso do Sul e Paraíba liderando no cumprimento das suas obrigações, enquanto outros, como Rio Grande do Norte e Santa Catarina, ficam para trás.
Essa falha é grave porque compromete a criação e a execução de políticas públicas eficazes. Como direcionar esforços para as áreas que mais precisam, sem ter informações confiáveis sobre onde, como e por que os acidentes acontecem? A própria campanha da Semana Nacional de Trânsito é apenas uma parte da solução. Sem parâmetros claros, as ações de educação e fiscalização se tornam menos eficazes, não alcançando todo o seu potencial.
Além disso, o Plano Nacional de Redução de Mortes e Lesões no Trânsito (Pnatrans), que busca proteger os mais vulneráveis, reduzir a velocidade nas vias e promover um trânsito sustentável, necessita de dados robustos para ser implementado de forma eficaz. Porém, a carência de informações atualizadas prejudica a execução dessas metas, limitando a capacidade do governo – em todas as suas esferas – de monitorar e ajustar as estratégias de acordo com as necessidades reais.
De acordo com um estudo recente conduzido pela Zignet em parceria com a Unicamp, os acidentes de trânsito no Brasil têm aumentado consistentemente. A pesquisa aponta que houve um crescimento de 6,3% no número de acidentes nos primeiros seis meses de 2024, com os dias de maior risco sendo sexta-feira e sábado, em grande parte devido ao consumo de álcool e à maior circulação de pessoas. Apesar desse estudo trazer dados significativos, ele depende de estatísticas fornecidas pelos estados e pelo governo federal, que, muitas vezes, não são coletadas ou atualizadas com a frequência necessária.
Os dados do Sistema de Informações de Mortalidade (SIM) do DataSus também revelam que o Brasil enfrenta uma crescente crise de mortalidade no trânsito, com o aumento de óbitos desde 2019. O cenário de desatualização e inconsistência nas informações, somado à falta de integração entre os órgãos responsáveis pela coleta de dados, coloca em xeque a capacidade de desenvolver soluções ágeis e eficazes para a segurança no trânsito.
O Brasil possui um dos trânsitos mais violentos do mundo, e, apesar de campanhas de conscientização como a Semana Nacional de Trânsito, a solução para esse problema passa pela construção de uma base de dados sólida e atualizada. O fato de a Senatran precisar publicar um ranking para incentivar os estados a cumprirem uma obrigação básica — o envio de dados — é alarmante. Para proteger vidas, é preciso mais do que campanhas educativas; é necessário ter em mãos dados confiáveis que embasem políticas públicas de longo prazo. Sem isso, qualquer intervenção será apenas paliativa e incapaz de gerar resultados duradouros.
No fim das contas, a mensagem de “Paz no trânsito começa por você” também deve se estender às autoridades: promover um trânsito seguro exige uma coordenação entre conscientização pública e a coleta rigorosa de dados. Sem uma base de informações sólida, estaremos sempre no escuro, tentando resolver problemas que nem sequer compreendemos plenamente.