Justiça vê compra de votos e pede punição à prefeita Adriane Lopes

MPE afirma que há provas robustas de captação ilícita nas eleições

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O Ministério Público Eleitoral (MPE) deu um passo decisivo contra a normalização de práticas que corroem os alicerces da democracia brasileira. Em parecer protocolado no último dia 26 de março, o procurador regional eleitoral Luiz Gustavo Mantovani manifestou-se pela cassação da prefeita de Campo Grande, Adriane Lopes (PP), e de sua vice, Camilla Nascimento (Avante), apontando “captação ilícita de sufrágio” durante a campanha de 2024.

A manifestação do MPE surge no bojo de uma Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) movida ainda em dezembro do ano passado pelo PDT e pelo PSDC, que acusam a chapa vitoriosa de abuso de poder político, econômico e religioso, além de compra direta de votos. O caso foi inicialmente rejeitado pelo juiz eleitoral Ariovaldo Nantes Corrêa em janeiro, decisão esta agora contestada em segunda instância no Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso do Sul (TRE-MS).

Indícios concretos e provas audiovisuais

O parecer do procurador Mantovani não se restringe a suposições ou conjecturas. Ele é enfático ao afirmar que “as provas amealhadas pela instrução processual eliminam dúvidas razoáveis” quanto ao envolvimento direto da prefeita e de sua equipe. Entre os elementos reunidos, constam vídeos, áudios e depoimentos de testemunhas que corroboram a existência de pagamentos a eleitores em troca de votos, especialmente em bairros periféricos da capital sul-mato-grossense.

Em um dos vídeos anexados aos autos, um palestrante identificado como Dinho, diretor da UPA do Santa Mônica e coordenador da campanha de Adriane Lopes, aparece discursando para uma multidão, justificando a ausência da prefeita em evento político: “a prefeita enrolou e ela não vai conseguir chegar”. A gravação mostra também distribuição de material de campanha no local, sob protestos de eleitores que questionam o não recebimento de valores prometidos. Frases como “eu não voto! Se eu não receber, eu não vou votar” são respondidas com promessas de pagamento imediato após o pleito.

Outro vídeo aponta a retenção de documentos e títulos de eleitores por cabos eleitorais, identificados como “Kalica/Gonçalves” e “André”. Uma das interlocutoras, Edivania Souza do Nascimento, relata ser prima de Kalica e afirma que ele é o responsável por coordenar as ações ilegais no bairro.

Democracia em teste: mais do que uma disputa local

Embora trate de uma eleição municipal, o caso extrapola o cenário de Campo Grande. Ele coloca em evidência um dos maiores desafios enfrentados pelas democracias contemporâneas: a erosão das instituições por práticas clientelistas, patrimonialistas e eleitoreiras, que perpetuam um ciclo de dependência e invisibilização das camadas mais vulneráveis da população.

A filósofa Hannah Arendt, em sua análise sobre regimes autoritários, alertava que “a manipulação da verdade e a desinformação corroem a confiança pública”. No Brasil, essa corrosão também se manifesta quando se desvirtua o voto — transformando um direito soberano em moeda de troca.

Segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), mais de 3 mil ações de investigação eleitoral foram abertas entre 2020 e 2022, sendo a maioria relacionada a abuso de poder econômico. O dado evidencia que, apesar da robustez da Justiça Eleitoral brasileira, o sistema ainda é vulnerável a práticas de aliciamento político que fragilizam a cidadania ativa.

A urgência de uma apuração rigorosa

O pedido do MPE não é apenas jurídico; é um chamado à sociedade civil e às instituições democráticas para que o processo seja acompanhado com atenção e responsabilidade. A legislação eleitoral estabelece que uma AIJE deve ser julgada no prazo de até 60 dias — o que reforça a expectativa de que o TRE-MS decida ainda em abril.

O advogado Newley Amarilla, que representa o PDT e o PSDC, sustenta que há “provas robustas que demonstram a captação ilícita de votos”, argumento que agora ganha o respaldo do Ministério Público Eleitoral. O procurador Mantovani conclui que Adriane Lopes não apenas tinha conhecimento das ações, como chancelava reuniões nas quais os pagamentos ocorriam, mesmo quando não estava fisicamente presente.

Restauração da confiança pública

A eventual cassação da prefeita e de sua vice terá repercussões políticas significativas, mas, mais importante, pode servir como símbolo de reafirmação da integridade eleitoral. A democracia se sustenta não apenas pelo direito ao voto, mas pelo respeito às condições equânimes de disputa e pela transparência dos atos públicos.

Como lembra o sociólogo Norberto Bobbio, “a democracia não é apenas um conjunto de regras procedimentais, mas um projeto ético de igualdade e participação”. Ignorar ou relativizar indícios graves de corrupção eleitoral é abrir espaço para a banalização do ilícito e o descrédito das instituições.

Portanto, a apuração profunda e imparcial deste caso é não apenas uma exigência legal, mas um imperativo moral e político. O que está em jogo não é apenas a estabilidade de um mandato, mas a credibilidade de um sistema que deve garantir igualdade de voz a cada cidadão brasileiro.

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