José Fragelli, um grande brasileiro que deixou seu legado de dignidade

José Manuel Fontanillas Fragelli nasceu em Corumbá (MS), então no estado de Mato Grosso, no dia 31 de dezembro de 1915, filho do médico Nicolau Fragelli e de Maria Fontanillas Fragelli.

Fez seus estudos no Colégio Santa Teresa, em Corumbá, no Ginásio Dom Bosco, em Campo Grande, então no estado de Mato Grosso e atual capital do Mato Grosso do Sul, e no Colégio Santo Inácio, no Rio de Janeiro, então Distrito Federal. Bacharelou-se em ciências jurídicas e sociais pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, na capital paulista, em 1938, e lecionou em seguida elementos de direito civil e fiscal. Em 1939 tornou-se promotor de justiça em Campo Grande, aí permanecendo até 1943. Nessa mesma cidade seria, tempos depois, redator-chefe e diretor do jornal Correio do Estado.

No pleito de janeiro de 1947 foi eleito deputado à Assembléia Constituinte de Mato Grosso, na legenda da União Democrática Nacional (UDN). Assumindo seu mandato em março do mesmo ano, participou dos trabalhos constituintes e, após a promulgação da nova Carta estadual, passou a exercer o mandato ordinário, tornando-se líder de seu partido na Assembléia Legislativa. Em outubro de 1950 foi reeleito deputado estadual na mesma legenda e, na nova legislatura, voltou a ocupar a liderança da UDN na Assembléia. Durante o primeiro governo de Fernando Correia da Costa (1951-1956), afastou-se temporariamente da casa para assumir a secretaria do Interior, Justiça e Finanças do estado.

Em outubro de 1954 elegeu-se deputado federal por Mato Grosso, sempre na legenda udenista, assumindo sua cadeira na Câmara em fevereiro do ano seguinte, logo após encerrar o seu segundo mandato estadual. Na nova legislatura, foi membro da Comissão de Finanças e tomou parte ativa nos debates parlamentares por ocasião do afastamento de Carlos Luz da presidência da República. Esse episódio resultou do Movimento 11 de Novembro de 1955, chefiado pelo general Henrique Teixeira Lott, que visava a impedir uma suposta conspiração em preparo no governo e assegurar a posse de Juscelino Kubitschek, presidente eleito na legenda do Partido Social Democrático (PSD). Fragelli opôs-se ao movimento de Lott e travou intensos debates com o deputado José Antônio Flores da Cunha, do Rio Grande do Sul, que havia assumido interinamente a presidência da Câmara. Em seguida, votou contra o impedimento do presidente João Café Filho, em 21 de novembro do mesmo ano. Deixou a Câmara em fevereiro de 1959, ao final de seu mandato, e regressou a Campo Grande, onde montou um escritório de advocacia, afastando-se temporariamente da política.

Voltou à cena em 1964 como um dos fundadores da Ação Democrática de Mato Grosso, em Aquidauana (MS), que teve destacada atuação no movimento político-militar de março do mesmo ano, que depôs o presidente João Goulart (1961-1964). Depois da vitória do movimento, com a extinção dos partidos políticos pelo Ato Institucional nº 2 (27/10/1965) e a posterior instauração do bipartidarismo, filiou-se ao partido governista, a Aliança Renovadora Nacional (Arena), sendo eleito presidente do seu diretório municipal em Aquidauana.

Em outubro de 1969 tornou-se presidente da comissão executiva do diretório regional da Arena em Mato Grosso, permanecendo no cargo até outubro do ano seguinte, quando, indicado para o cargo pelo presidente Emílio Médici, foi eleito governador do estado pela Assembléia Legislativa na legenda oficial. Tomou posse em março de 1971, sucedendo a Pedro Pedrossian (1966-1971), e governou até março de 1975. Foi substituído por José Garcia Neto (1975-1978).

Em outubro de 1977 foi sancionada a lei que dividiu em dois o estado de Mato Grosso. Surgiria assim, a partir de janeiro de 1979, o estado de Mato Grosso do Sul, tendo Campo Grande como capital e um governador nomeado. O antigo estado de Mato Grosso permaneceria com Cuiabá como sua capital. No início de 1978 a Arena viu-se dividida, na região que iria constituir-se o futuro estado de Mato Grosso do Sul, em duas grandes correntes: a ortodoxa (formada por antigos udenistas e pessedistas), que se denominava “ala democrática”, na qual José Fragelli estava inserido; e a “independente”, que agrupava os seguidores de Pedro Pedrossian, governador do antigo estado de Mato Grosso entre os anos de 1966 e 1971.

Ainda na legenda da Arena, no pleito de novembro de 1978 José Fragelli integrou, na condição de suplente, a chapa do candidato a senador pelo recém-criado estado de Mato Grosso do Sul, Pedro Pedrossian.

Com a extinção do bipartidarismo em 29 de novembro de 1979 e a conseqüente reformulação partidária, filiou-se ao Partido Democrático Social (PDS), partido que sucedeu a Arena.

Em novembro de 1980, Pedro Pedrossian foi nomeado governador de Mato Grosso do Sul em substituição a Marcelo Miranda, demitido do cargo (o novo estado era governado por delegação direta do Executivo federal). Para que Pedrossian assumisse o governo, o ministro da Justiça, Ibrahim Abi-Ackel, ia pedir ao Senado que concedesse uma licença ao parlamentar para que este não tivesse que se desincompatibilizar de seu mandato. Fragelli, um dos principais líderes da dissidência do PDS contrária à indicação de Pedrossian para o governo, afirmou que iria lutar no Judiciário contra a medida, por entender que a vaga no Senado não deveria ser simplesmente desocupada, mas sim liberada e entregue a ele, legítimo substituto do titular. Declarou, além disso, que o governo federal estava praticando uma violência contra Marcelo Miranda.

No dia 19 de novembro, vitorioso com a renúncia de Pedrossian, assumiu a cadeira no Senado, deixando o PDS para ingressar no Partido Popular (PP) juntamente com outros dissidentes, entre os quais o senador Rachid Saldanha Derzi e o governador demitido. No Senado tornou-se vice-presidente da Comissão de Constituição e Justiça, membro titular das comissões de Economia e de Finanças, e suplente das comissões de Educação e Cultura e de Relações Exteriores.

No exercício de seu mandato de senador, prosseguiu fazendo oposição ao governo de Pedro Pedrossian. Em fevereiro de 1982, com a incorporação do PP ao Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), ingressou nesta última agremiação.

Ainda em 1982, integrou a delegação brasileira à XI Sessão da III Conferência das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, por designação do presidente João Batista Figueiredo (1979-1985). Em 1983, viajou como membro da delegação brasileira à CXXXII Reunião do Conselho Interparlamentar em Helsinque, Finlândia, por designação de Moacir Dalla, então presidente do Senado (1983-1985).

Ainda em 1983, participou ativamente da articulação da candidatura de Tancredo Neves à presidência da República. No início desse ano organizou um grupo de 14 senadores, todos desconhecidos, que rumou para Belo Horizonte para comunicar ao então governador Tancredo Neves que trabalhariam por seu nome para presidente da República. O próprio Fragelli, logo depois, combinou com o senador Pedro Simon (depois governador eleito do Rio Grande do Sul) que, se o PMDB fosse ao Colégio Eleitoral, o candidato seria Tancredo.

Reunido em 15 de janeiro de 1985 para escolher o sucessor do presidente da República João Batista Figueiredo — após não ter sido aprovada, em 25 de abril de 1984, a emenda constitucional que previa o retorno das eleições diretas para o cargo —, o Colégio Eleitoral elegeu Tancredo Neves, lançado pela Aliança Democrática, frente oposicionista formada pelo PMDB e pela Frente Liberal, dissidência do PDS. Indicado logo depois à presidência do Senado como candidato da Aliança Democrática, José Fragelli foi eleito no dia 27 de fevereiro seguinte, derrotando o senador Luís Viana Filho, candidato do PDS, e assumiu imediatamente a presidência da casa, sucedendo a Moacir Dalla.

José Fragelli teve importante atuação na transferência de poder para o vice-presidente José Sarney, na ocasião da doença de Tancredo Neves, em 14 de março de 1985, quando o presidente eleito indiretamente foi internado. No dia 15, data prevista para a posse, José Fragelli, à frente do Congresso Nacional, investido da faculdade de reconhecer o presidente da República, e alegando afastar qualquer possibilidade de conturbação política, deu posse a Sarney (1985-1990), que passou a ocupar interinamente a presidência, seguindo assim a determinação da Constituição. Com a morte de Tancredo Neves em 21 de abril seguinte, Sarney foi confirmado na presidência da República.

Na tentativa de moralizar o Senado, Fragelli, durante a sua gestão, procurou anular as nomeações realizadas pelo chamado “trem da alegria”, instituído na gestão de Dalla, que alterou os contratos de 1.115 funcionários da gráfica do Senado de celetistas para estatutários, elevando o montante da folha de pagamentos de três para seis bilhões de cruzeiros. No entanto, foi obrigado a aceitar as incorporações dos funcionários.

Alarmado com o alto grau de absenteísmo dos parlamentares nas votações do Congresso Nacional — Câmara dos Deputados e Senado conjuntamente —, José Fragelli decidiu, a partir de agosto de 1985, não abrir nenhuma sessão caso não se registrasse a presença de 1/6 dos parlamentares, cumprindo assim ao pé da letra o regimento interno do Congresso. E, em março do ano seguinte, declarou que cortaria as diárias, denominadas jetons, dos parlamentares que não comparecessem para dar quórum mínimo para a realização de sessões no Congresso Nacional. Essa decisão, inédita no Congresso, foi duramente criticada tanto por líderes de partidos afinados com o governo quanto por dirigentes da oposição.

Em julho de 1986, quando o presidente Sarney viajou à Itália, o mais próximo substituto constitucional de Sarney, deputado Ulisses Guimarães, então presidente da Câmara dos Deputados e do PMDB, não quis assumir a presidência, de modo a não impedir sua própria candidatura nas eleições de novembro daquele ano. No entanto, José Fragelli não assumiu a chefia do governo, uma vez que, nesse mesmo período, comprometera-se a visitar a União Soviética como chefe da delegação de parlamentares brasileiros. Foi substituído por José Carlos Moreira Alves, então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), terceiro na linha sucessória. Entre 27 e 31 desse mês, por ocasião da viagem do presidente José Sarney à Argentina, José Fragelli ocupou interinamente a presidência da República, em função da mesma ausência de Ulisses Guimarães. Por ter exercido a presidência, José Fragelli tornou-se inelegível e impedido de concorrer a qualquer cargo nas próximas eleições. De 8 a 14 de setembro de 1986 voltou a ocupar interinamente o cargo, substituindo o presidente José Sarney, em viagem aos Estados Unidos.

Em outubro desse mesmo ano, durante a vigência do Plano Cruzado — plano de estabilização econômica lançado pelo ministro da Fazenda do governo Sarney, Dílson Funaro —, foi acusado pela Superintendência Nacional de Abastecimento (Sunab) de ter vendido 60 bois gordos com cobrança de ágio ao Frigorífico Kalowa, do Mato Grosso do Sul. Defendeu-se publicamente na tribuna do Senado no dia 30 daquele mês, apresentando documentos que comprovavam sua inocência.

Em 7 de novembro de 1986, José Fragelli presidiu a sessão do Congresso Nacional que promulgou a emenda constitucional convocando a Assembléia Nacional Constituinte, que iniciaria seus trabalhos em fevereiro de 1987.

Deixou o Senado em janeiro de 1987, ao final da legislatura, sendo substituído na presidência da casa pelo senador Humberto Lucena. Pecuarista e proprietário rural, afastou-se da vida pública para cuidar das suas fazendas.

Ao longo de sua vida, foi professor em cursos ginasial e comercial, e diretor do Colégio Osvaldo Cruz, em Campo Grande.

Em março de 2006, depois de 15 anos de ausência, Fragelli esteve na capital matogrossense em companhia de sua esposa Maria de Lurdes. Fragelli, então com 90 anos de idade, atendeu a convite do governador do estado Blairo Maggi e permaneceu cerca de um mês na cidade. Falando aos jornalistas, declarou-se surpreso com o crescimento de Cuiabá.

José Manuel Fontanillas Fragelli, faleceu no dia 30 de abril de 2010 em Aquidauana (MS). Fragelli deixou esposa, dona Lourdes Fragelli e dois filhos.

RESUMO DE SUA BIOGRAFIA

Nascido em Corumbá, Fragelli foi promotor de justiça em Campo Grande (1939 — 1943); secretário de Justiça e Finanças (1953 — 1954); diretor e professor do Colégio Osvaldo Cruz em Campo Grande; constituinte em 1947; deputado estadual (1947 a 1954); deputado federal (1955-1959); governador (1970 a 1974); senador (1-11-80 a 31-1-87); presidente do Senado Federal (1985-1987); presidente do Congresso Nacional (1985-1987) e presidente da República interino (28 a 30-9-1986 e 9 a 14-9-1986).

FONTES: CAFÉ FILHO, J. Sindicato; CÂM. DEP. Deputados; CÂM. DEP. Relação dos deputados; CORRESP. GOV. MT; Estado de S. Paulo (3 e 14/9 e 31/10/86, 1/2/87, 18/1/88); Folha de S. Paulo (19 e 28/2, 9/7 e 24/8/85, 24/4,25/7 e 10/9/86); Globo (27/3 e 15/4/85, 9/2 e 10/3/86); Grande encic. Delta; Jornal do Brasil (5 e 20/11/80, 13/4/81, 24/2, 11/7 e 8/8/85, 14/6/86); MENDONÇA, R. Dic.; Perfil (1974); SOC. BRAS. EXPANSÃO COMERCIAL. Quem; Súmulas; TRIB. SUP. ELEIT. Dados (1, 2 e 3); Who’s who in Brazil.

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