Uma equipe da Universidade da Flórida descobriu duas vias neurais, da amígdala ao estriado ventral, que determinam se um odor é percebido como uma ameaça ou um lembrete. A descoberta revela mecanismos-chave da evitação olfativa.
Imagine colocar uma lata de lixo enorme ao lado da sua sala de estar: o cheiro invadiria todos os cantos e ficaria gravado na sua memória. Esse aroma fétido é imediatamente repulsivo, e certamente nunca o associamos a nada agradável.
A amígdala basolateral (ABL) processa e atribui valor emocional aos estímulos sensoriais, e o estriado ventral usa esses sinais para regular comportamentos de recompensa e evitação.
Pesquisadores da UF Health acabaram de revelar como nossos cérebros determinam se um cheiro é desagradável. Usando técnicas avançadas em camundongos, eles mapearam duas vias neurais paralelas que conectam a amígdala basolateral (BLA) ao estriado ventral, que determinam se um cheiro provoca repulsa ou medo.
Dois caminhos para a mesma emoção
Imagine que seu cérebro é uma cidade e os cheiros são táxis chegando ao centro de comando emocional: a amígdala basolateral (ABL). Lá, operam duas equipes de controle com uniformes genéticos distintos — neurônios Drd1+ e Drd2+ — que, apesar de se originarem no mesmo local, seguem caminhos diferentes em direção ao estriado ventral, a região que decide se um cheiro provoca uma fuga imediata ou fica gravado para sempre na memória.
Os neurônios Drd1+ percorrem a rodovia que leva ao núcleo accumbens (NAc), famoso por seu papel na recompensa e, neste caso, na evitação imediata. Como um radar, eles detectam um odor desagradável e enviam o sinal: “Saia daqui!“

Por outro lado, os neurônios Drd2+ se dirigem para o tubérculo olfativo (OT), especializado em processar a informação química dos odores e associá-la às emoções aprendidas. Quando ativados, eles não apenas desencadeiam a fuga inicial, como também reforçam a memória daquele aroma como algo assustador.
Para mapear essas vias neurais, Sarah Sniffen e Daniel Wesson usaram técnicas engenhosas de “GPS biológico”: rastreadores virais que mapeiam o caminho de cada neurônio e ferramentas de edição genética que permitem identificar precisamente os neurônios Drd1+ e Drd2+.
Com essas informações em mãos, eles demonstraram que cada “equipe” envia instruções muito específicas e diferenciadas ao estriado ventral, moldando nossa reação aos estímulos olfativos. Mas como eles podem verificar sua função em tempo real? Dois truques entram em jogo aqui:
- Optogenética: Usando pulsos de luz azul, os cientistas “ativaram” os terminais Drd1+ no NAc. O resultado foi espetacular: os camundongos evitaram a área iluminada quase 50% mais do que o habitual.
- Quimiogenética: instalaram “interruptores químicos” (receptores DREADD) que, ao adicionar um composto inofensivo, “desligavam” essa mesma via. Sem eles, os camundongos não conseguiam mais associar um choque elétrico leve a um odor específico.
Ao repetir o experimento com a via Drd2+→TuS, alteraram tanto a fuga imediata quanto a capacidade de aprender a temer aquele cheiro. Em suma, não existe um único “mau cheiro”: existem duas vias paralelas que, trabalhando em harmonia, regulam nossa resposta emocional ao cheiro.
Da ciência ao bem-estar olfativo
Esta descoberta não é apenas um hobby para neurologistas: ela abre uma gama de aplicações práticas em saúde mental e sensorial. Imagine se seus alarmes de ansiedade estivessem conectados a um “sensor de lixo” em seu cérebro: um cheiro cotidiano desencadeia pânico em quem sofre de TEPT ou hipersensibilidade olfativa. Se aprendermos a “desconectar” temporariamente as vias Drd1+ ou Drd2+, esses alarmes poderiam ser silenciados e a calma restaurada.
Mas o nariz tem ainda mais truques na manga. E se, em vez de se desligar, ativássemos essas mesmas vias em pacientes que perderam o apetite? Poderíamos reativar o prazer dos aromas culinários e despertar o apetite como acender as luzes em um banquete culinário. Afinal, um nariz feliz pode fazer maravilhas para um corpo saudável!

E isso é só o começo. O próximo passo da equipe é descobrir como a dopamina — o “bloqueador de tráfego” do cérebro — regula essas vias emocionais. Eles também planejam examinar cada quilômetro do NAc e do TuS para mapear seus desvios e atalhos com ainda mais detalhes. O objetivo final é desenvolver terapias de precisão: intervenções cirúrgicas no tráfego neuronal sem causar curto-circuito no restante da rede olfativa.
Como Wesson ressalta, “entender como o ambiente molda nossas emoções é a chave para sermos mais felizes e saudáveis”. Quem diria: por trás de um simples aroma, existe toda uma rede de vias cerebrais, prontas para serem descobertas… e para nos ensinar a sentir o cheiro da vida de forma diferente.