Mesmo com leis favoráveis, a comunidade LGBTQIAPN+ ainda enfrenta preconceitos e discriminação
O dia 28 de junho é marcado como o Dia Internacional do Orgulho LGBTQIAPN+, uma data que surgiu a partir da rebelião de Stonewall de 1969, em Nova York. O dia é um marco na luta por igualdade, visibilidade e direitos da comunidade em todo o mundo. No Brasil, a legislação avançou nos últimos 15 anos em direitos para a população, mas ainda existe um caminho para percorrer.
O Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu em 2011 a união estável entre pessoas do mesmo sexo, equiparando-a à união estável heteroafetiva. No mesmo ano, o STF também permitiu a adoção por casais homoafetivos, reconhecendo a importância da família para crianças e adolescentes. Já no ano de 2013, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determinou que os cartórios não poderiam mais recusar a celebração de casamentos entre pessoas do mesmo sexo, abrindo caminho para o casamento civil. Além disso, a Corte Suprema, também equiparou a LGBTfobia com o crime de racismo, em 2019, garantindo proteção legal para a comunidade LGBTQIAPN+ contra a violência e a discriminação.
Alguns membros da comunidade também ganharam avanços significativos, como a população transsexual e travesti, com a possibilidade de uso do nome social em diferentes âmbitos, no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e na administração pública, por exemplo. Mesmo com os avanços ainda existem ataques e preconceito contra a comunidade LGBTQIAPN+. Só este mês, viralizou nas redes sociais dois casos que chamaram a atenção. O primeiro de um homem que ofende de forma homofóbica um casal de mulheres na fila de um supermercado em Minas Gerais e o segundo de uma jornalista com ataques homofóbicos contra um homem em um shopping na zona sul de São Paulo.
Ambas ações refletem dados que não acompanham esses avanços legais. Uma pesquisa do PoderData realizada em janeiro de 2025 mostra que 74% dos brasileiros acreditam que existe preconceito contra a população LGBTQIA+ no país. A Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), revela que cerca 51% das pessoas LGBTQIA+ relataram ter sofrido algum tipo de violência motivada pela sua orientação sexual ou identidade de gênero. Destas, 94% sofreram violência verbal. Em 13% das ocorrências as pessoas sofreram também violência física. O dossiê da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) apontou que pelo 16º ano consecutivo o Brasil lidera como o país que mais mata pessoas trans e travestis no mundo.
Por que ainda existe tanta violência?
Para a mestra e docente de direito da Estácio, Marcela Iossi, a persistência da homofobia no Brasil mesmo diante dos avanços legais, está diretamente ligada a fatores culturais e sociais. “A legislação tem avançado, sim, mas a cultura da intolerância ainda está muito presente no cotidiano. O direito pode punir, mas não transforma, por si só, a mentalidade das pessoas. Ainda vivemos em uma sociedade marcada por estruturas conservadoras, em que o preconceito é aprendido e reproduzido desde cedo”, afirma.
Marcela reforça que a legislação brasileira já garante direitos importantes, mas ainda é notória a ausência de políticas públicas que garantam sua efetividade. “O reconhecimento legal só tem real impacto quando acompanhado de fiscalização, acesso à justiça e campanhas de conscientização contínuas”, complementa.
Ela aponta que as empresas e instituições precisam ir além da formalidade legislativa e adotar ações práticas. “A legislação é um passo essencial, mas para que esses direitos sejam verdadeiramente exercidos é necessário treinamento de funcionários, adequação dos processos internos e canais seguros para denúncias. Sem isso, o direito vira letra-morta e continua havendo vulnerabilidade real”, indica a professora.
Caminhos para a mudança
Marcela reforça que mudanças estruturais exigem tempo e ações articuladas entre o Poder Público, iniciativa privada, famílias e meios de comunicação. “Enquanto não houver um trabalho efetivo de conscientização para a diversidade, respeito e empatia, os avanços legais seguirão sendo confrontados por práticas discriminatórias”, indica a professora.
Além disso, o fortalecimento de políticas públicas específicas — como centros de atendimento à população LGBTQIAPN+, campanhas informativas permanentes e incentivos à contratação em empresas — são caminhos viáveis para a inclusão real. Segundo a professora, é preciso que o Estado assuma a responsabilidade não apenas de legislar, mas de atuar de forma ativa na proteção e valorização dessas vidas em parceria com a iniciativa privada. “Não se trata apenas de punir a violência, mas de prevenir que ela aconteça, criando ambientes seguros, informados e acolhedores, especialmente em cidades menores, onde o preconceito ainda é mais silencioso, porém agressivo”, finaliza.