Produção de bioabsorventes em presídio de MS é alternativa sustentável para levar dignidade menstrual a mulheres

Buscando alternativas inovadoras, sustentáveis e ressocializadoras, um projeto desenvolvido no Estabelecimento Penal Feminino de Regime Semiaberto e Aberto de Campo Grande tem possibilitado a promoção de qualificação profissional para as pessoas em cumprimento de pena, ensinando-lhes o ofício da costura, ao mesmo tempo em que contribui com o meio ambiente, com o estímulo ao uso de materiais reaproveitáveis, e leva dignidade menstrual a mulheres e meninas que têm dificuldade de acesso a absorventes.

Bioabsorventes são produzidos em tecido antibacteriano e impermeável.

O “Projeto Ciclos – Dignidade Menstrual” é uma iniciativa desenvolvida entre o Governo do Estado de Mato Grosso do Sul e o Poder Judiciário, por meio da Agepen (Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário) e da 2ª Vara de Execução Penal de Campo Grande, respectivamente. Consiste na produção artesanal, com mão-de-obra prisional, de bioabsorventes confeccionados em tecidos 100% algodão, antibacteriano e impermeável.

Segundo a diretora do presídio onde o projeto é realizado, Cleide Santos do Nascimento Freitas, a profissionalização vai além da arte de costurar, a proposta é ensinar empreendedorismo, marketing digital, vendas, gestão de clientes, técnicas e modelagens de negócios, precificação e geração de renda, além da educação menstrual que compreende higiene íntima e saúde feminina. Idealizado pela policial penal Phâmella Rita Gimenez Santana Deniozevicz, que atualmente não compõe a equipe da unidade prisional, a iniciativa é resultado do esforço de várias mãos, que tonaram a ação possível. “Temos toda uma rede de pessoas, dentro e fora do sistema prisional empenhadas em fazer dar certo”, ressalta Cleide.

Desde os primeiros meses do projeto, alunas da Escola Estadual Aracy Eudociak testaram, de forma voluntária, os bioabsorventes para averiguar aspectos como tamanho, material utilizado, conforto e segurança. “Envolveu cerca de 30 estudantes e a direção da escola, e a partir do feedback, foram realizados ajustes necessários para melhor adaptação às mulheres”, explica a diretora da escola, Giseli Maria Bacanelli.

Atualmente, conforme Giseli, muitas alunas já nem usam mais absorventes convencionais descartáveis. “É uma junção do ponto de vista social, econômico e ambiental, por ser uma produção sustentável, evitando o descarte de plástico no meio ambiente”, parabenizou. A Escola recebeu mais 200 unidades do bioabsorvente esta semana para disponibilizar às estudantes.

Carolina é uma das estudantes responsáveis por testar os bioabsorventes e acredita que está contribuindo para o futuro do planeta.

Carolina Rodrigues é uma das participantes e classifica o projeto como algo inovador, por envolver temáticas tão relevantes. “Eu já tive muita curiosidade em conhecer mais sobre essas peças sustentáveis e essa foi a oportunidade, inclusive de conhecer cada etapa do processo até a sua finalização e tem tornado o ciclo menstrual para nós, mulheres, cada vez mais agradável. Ficamos muito felizes em poder participar e contribuir com esse trabalho e com o futuro do planeta”, disse a aluna, que também é presidente do Grêmio Estudantil da Escola Estadual Aracy Eudociak.

Dentre os pilares da iniciativa estão o respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana; higiene menstrual como um direito básico; baixo custo para a produção e venda; baixo impacto ambiental; redução do lixo no planeta; fomento do trabalho prisional; atividade educativa em âmbito prisional; redução dos gastos de dinheiro público; preservação da saúde da mulher; incentivo a empresas nacionais; remição de pena; ressocialização; avanço tecnológico; e incentivar políticas públicas sobre pobreza menstrual.

No momento, uma interna atua na produção dos bioabsorventes e já está programado para setembro um curso do Senac (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial), a ser ministrado pela artesã Isabel Doering Muxfeldt, que possibilitará a ampliação do número de reeducandas capacitadas para trabalharem com a produção.

Atenção a familiares e egressos

A familiar Vanusa (de vermelho) recebeu um kit de representantes da Agepen.

Com foco em atender as demandas de egressos e familiares de custodiados, foi realizada a entrega de parte da produção dos bioabsorventes ao Escritório Social, nesta quarta-feira (16.8). Ao todo, foram disponibilizados 300 peças que irão contribuir durante os atendimentos.

Localizado anexo ao Patronato Penitenciário de Campo Grande, o trabalho do Escritório Social é voltado à atenção singular da pessoa pré-egressa, egressa e também de seus familiares, representando mais uma ferramenta de acesso às políticas públicas e meios de qualificação profissional.

Para Vanuza Rodrigues, atendida pelo serviço e uma das contempladas com os bioabsorventes, a iniciativa chamou muita atenção. “Achei maravilhoso, porque somos mulheres e temos filhas adolescentes e que podem ser beneficiadas também. Além disso, é uma oportunidade de renda para essas mulheres que estão produzindo e isso não tem preço”, afirmou Vanuza, que é familiar de um custodiado.

Representando a direção da Agepen no ato de entrega, o diretor-geral da Polícia Penal, Creone Conceição Batista, agradeceu a todos os envolvidos, em especial o juiz Albino Coimbra Neto, que disponibilizou recursos para a execução do projeto, e ressaltou a importância de capacitar as pessoas que passam pelo sistema prisional. “Muito além de custodiar, precisamos oferecer oportunidade para que os reeducandos conquistem novos caminhos longe da criminalidade”, afirmou.

Dignidade Menstrual

Aliar o sistema prisional a pautas de cunho social é uma importante frente de ressocialização, na opinião da diretora de Assistência Penitenciária da Agepen, Maria de Lourdes Delgado Alves, que definiu o “Ciclos” como uma política pública pautada na dignidade da mulher. “Além de oportunizar qualificação profissional e conhecimento técnico às custodiadas, é uma alternativa sustentável durante o período menstrual”, ressaltou.

No entanto, a dirigente explicou que esse modelo ainda não pode ser utilizado para as internas do regime fechado, por questões de dificuldade higienização no ambiente de cárcere, mas que a agência penitenciária busca outros meios de atender este público e anunciou um projeto para a produção de absorventes e fraldas descartáveis para  a massa carcerária feminina do estado, podendo contemplar outras instituições.

De acordo com o chefe do o chefe do Núcleo de Planejamento, Projetos e Convênios da Agepen, Eduardo Alexandre de Oliveira, a iniciativa integra política pública da Senappen (Secretaria Nacional de Políticas Penais) e consistirá na implementação de duas oficinas de confecção, uma na capital e outra em Três Lagoas, para atender toda a demanda do sistema prisional feminino do estado, com meta de confeccionar até 40 mil peças por mês. “O excedente será utilizado para fechar parcerias, de forma a manter a confecção autossustentável”, esclareceu.

Também participaram do ato de entrega de bioabsorventes ao Escritório Social, o diretor de Operações da Agepen, Raul Ramalho, a chefe da Divisão de Promoção Social, Marinês Savoia; a analista de Desenvolvimento de Produtos do Senac, Roberta Mônaco Barros de Oliveira, o diretor do Centro Penal Agroindustrial da Gameleira, Adiel Barbosa, o diretor do Patronato Penitenciário da capital, Marcos Moisés Sant’ana Júnior,  e a gerente do Escritório social (em substituição legal), Érika Funes, entre outros.

Keila Oliveira e Tatyane Santinoni, Comunicação Agepen
Fotos: Tatyane Santinoni.

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