“Os cientistas do futuro estão na educação básica e o recrutamento precisa chegar na escola pública”. Essa é a convicção da professora Daniely Ferreira de Queiroz, doutora em Química pelo IQSC/USP (Instituto de Química de São Carlos) que, com o incentivo da Fundação de Apoio ao Desenvolvimento do Ensino, Ciência e Tecnologia do Estado de Mato Grosso do Sul, desperta a curiosidade pelo conhecimento nos alunos da Escola Estadual Teotônio Vilela, no bairro Universitárias, em Campo Grande.
A partir do Pictec, programa da Fundect que contempla professores e estudantes do Ensino Médio de escolas públicas com bolsa de iniciação científica, o projeto Química dos Cosméticos: Desenvolvimento de métodos biotecnológicos em Cosmetologia, ganhou vida com a orientação de Daniely aos estudantes Daniel Vitoriano Santos, Gabriela da Gama dos Santos, Laíssa Borges Nunes e Nathalia Morais Barboza, todos com 17 anos e cursando o terceiro ano do EM. A proposta foi selecionada na segunda edição do programa, lançada em 2022, o que garantiu bolsas de R$ 400 por mês aos alunos e de R$ 800 para a orientadora, por um período de 12 meses.
A professora viu no Pictec a chance de despertar nos alunos o gosto pela química, promover o empreendedorismo escolar e trabalhar com a cosmetologia aliada à sustentabilidade. Diariamente a equipe pesquisa e produz cosméticos naturais para o cuidado com a pele e cabelo. “São produtos fabricados com bases vegetais, não testados em animais e asseguram bem-estar para nossa saúde ao promover firmeza, hidratação, entre outros benefícios, sem causar danos ao tecido celular da pele. Isso porque não envolvem nenhum tipo de óleo mineral, derivados do petróleo e metais pesados (petrolato), como a grande maioria dos cosméticos mais comerciais”, explica Daniely Queiroz.
Daí surgiu a Curie Cosmetologia Natural que é a marca do projeto. “O nome foi inspirado na primeira cientista mulher da história, Marie Curie, ganhadora de dois prêmios Nobel, em química e física, e claro, uma inspiração para todas as mulheres da ciência. A maior parte das atividades da Curie são realizadas no nosso Lacobio (Laboratório de Cosmetologia Natural e Biotecnologia) que funciona dentro da escola. Não tinha forma definida quando começamos, mas com esforço, compramos todo o necessário. E isso só foi possível devido às bolsas concedidas pela Fundect”, conta a professora.
Os alunos de Daniely não só aprendem os conceitos básicos de química na prática, como também decodificam a linguagem dos artigos científicos para a produção dos cosméticos, ministram palestras sobre o assunto e, recebem mini cursos de inglês, boas práticas de laboratório, vidraria e redes sociais.
O trabalho desenvolvido com a Curie é tão estimulante que a estudante Laíssa Borges Nunes pretende seguir os passos da professora Daniely Queiroz na Química. “O projeto me proporciona toda a experiência maravilhosa no laboratório e fora dele também, mostrando de verdade como é a pesquisa científica. Tudo o que nós aprendemos aqui também é utilizado na nossa vivência no dia a dia. Esse conhecimento tem grande peso na escolha de curso para a graduação pois, como é algo que estou bem apegada, aumenta a vontade em explorar mais o universo da ciência”, esclarece a aluna.
Para Nathalia Morais Barboza, o trabalho realizado no projeto é uma pequena demonstração de como os cientistas são importantes para o planeta. “Ser cientista é ter a capacidade de mudar o mundo e poder melhorar as condições de vida das próximas gerações. Além disso, é uma pessoa que reinventa tudo ao seu redor e cria métodos seguros, responsáveis e conscientes”, defende.
Complementando a ideia dos colegas, Gabriela da Gama dos Santos iniciou a caminhada científica pelo sentimento de fazer o bem ao próximo, principalmente no ambiente em que vive. “Eu quis trabalhar com ciência assim que vi a proposta do projeto, já que ele trabalha no bem-estar das pessoas e no cuidado com a natureza. Eu adoro contribuir para a autoestima da comunidade através da elaboração de cosméticos como os da Curie”.
Daniel Vitoriano Santos debate a inovação apresentada pelas colegas ao expor a relevância da sustentabilidade unida à ciência. “Ao produzirmos e utilizarmos produtos sustentáveis, estamos contribuindo para o meio ambiente uma vez que a Indústria Cosmética é uma das que mais consomem recursos hídricos no mundo. Um exemplo do nosso cuidado com a natureza é a fabricação de alguns insumos que não necessitam de água em sua composição e são ricos em outros aditivos naturais. É algo inovador se compararmos aos cosméticos convencionais que possuem 80% do líquido em sua base de formulação”, ressalta.
A equipe já produziu cerca de 20 tipos de produtos, divididos entre linha facial (água micelar, sérum, creme de base neutra e lipbalm) e linha capilar (shampoo, condicionador e máscara). Todos os cosméticos são fabricados com matérias-primas vegetais como melaleuca, aloe vera, licuri, macadâmia, maracujá, rícino, entre outros elementos, e possuem o selo de qualidade da Ecocert Brasil, uma das maiores empresas certificadoras de soluções orgânicas do país.
Conforme o trabalho foi se desenvolvendo, além das bolsas da Fundect, o grupo passou a ter a colaboração da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul) e da UCDB (Universidade Católica Dom Bosco) no acesso a insumos e laboratórios.
A professora Daniely não esconde o orgulho pelos pupilos que são referência em protagonismo acadêmico. “Eu tenho certeza que meus alunos têm a oportunidade de trabalhar, conhecer e vivenciar a ciência de verdade. A gente só alavanca um país com ciência, tecnologia e inovação”.
Márcio de Araújo Pereira, diretor-presidente da Fundect, ressalta que a ideia do Pictec é justamente formar uma nova geração de pesquisadores e despertar o gosto pela pesquisa. “Queremos que haja mais crianças e adolescentes como estes, com oportunidades, desenvolvendo projetos conectados com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) preconizados pela ONU. Por isso, estamos criando um programa de acompanhamento de jovens talentos cientistas em Mato Grosso do Sul. O bolsista do Pictec será incentivado para continuar a fazer pesquisa na graduação, no mestrado, no doutorado e pós-doutorado”, destaca.
Pensando no futuro
Quando questionados sobre os próximos passos, a resposta da equipe foi unânime: “Queremos mais do que o projeto!”.
Conforme Daniely, as ações da Curie estão progredindo positivamente, recebendo grande adesão e interesse da comunidade escolar Teotônio Vilela. O próximo debate está relacionado ao que construir a partir da Curie Cosmetologia Natural.
“O projeto está avançando tão bem por ser algo que estimula o empreendedorismo de cada um. Futuramente pretendemos submetê-lo a outro programa da Fundect, o Centelha que ajuda as startups. Porque não uma pequena empresa ou incubadora dentro da escola? Trabalhar ideias inovadoras é nosso principal foco. Que possamos promover também o setor de comércio, tornando possível a inserção da comunidade local em um mercado que está em franca expansão, como é o caso da Indústria da Beleza”, destaca a professora.
Pictec
O Pictec (Programa de Iniciação Científica e Tecnológica do Estado de Mato Grosso do Sul) é um programa da Fundect que oferece bolsas de Iniciação Científica a alunos do Ensino Médio de escolas públicas municipais, estaduais e federais. A ideia é estimular o aprendizado do método científico e de outros conceitos fundamentais para a produção de ciência e tecnologia que gerem transformação social.
A terceira edição do programa, de 2023, está com processo de seleção em fase final. Das 395 propostas submetidas, 359 já foram enquadradas e seguiram para a segunda fase que compreende a análise de mérito e relevância dos projetos.
A divulgação da lista preliminar das propostas recomendadas está prevista para esta sexta-feira, 18 de agosto.
Ao final de todo o processo, os professores que tiverem o projeto aprovado vão receber uma bolsa de R$ 800 mensais e poderão orientar até quatro estudantes da mesma escola, com bolsa de R$ 400 mensais, por 12 meses.Texto: Larissa Adami
Edição: Maristela Cantadori
Fotos: Leandro Benites e Larissa Adami