Festival SP Sem Censura exibe filmagem de peça sobre a morte de Herzog

Um circo às voltas com seu próprio despejo encena uma peça sobre a morte do jornalista Vladimir Herzog, assassinado pela ditadura. A peça “Patética”, parte da programação do festival SP Sem Censura, traz uma linguagem metalinguística para falar da precarização do trabalho artístico e da repressão do período

Por causa da pandemia, a versão que será exibida é uma filmagem do espetáculo montado em 2017 pela Cia Estável de Teatro. Ela irá ao ar no sábado (5) às 20h, pelas redes sociais da Secretaria Municipal de Cultura. Antes, haverá um bate-papo entre os membros da companhia e o diretor da montagem original da peça nos anos 1980, Celso Nunes.

“A gente se embrenhou nessa montagem não só do resgate histórico da ditadura, mas também da precarização do trabalho do artista, desse circo que está sendo despejado”, diz a atriz Maria Carolina Dressle, que no espetáculo interpreta a cigana do circo, Joana, e também a mãe de Herzog.

A peça dentro da peça conta a vinda da família de Herzog da antiga Iugoslávia para o Brasil, passa pela apreensão do jornalista e da família nos tempos de ditadura e culmina com sua tortura e morte.

O texto foi escrito em 1976, um ano após o assassinato do jornalista, pelo cunhado dele, o dramaturgo João Ribeiro Chaves Neto. Ainda durante o governo militar, sob a tutela do general Ernesto Geisel, a peça foi premiada, para logo em seguida ter o título suspenso. Foi então vetada, sendo liberada apenas em 1979.

Em outubro de 1975, o jornalista da TV Cultura foi procurado por agentes da repressão para depor sobre suas ligações com o PCB. Prometeu comparecer no dia seguinte ao quartel onde funcionava o DOI- Codi, em São Paulo.

Assim o fez, mas não saiu vivo. Na época, a ditadura forjou fotos que mostram Herzog pendendo pelo pescoço por um cinto em sua cela, alegando suicídio. A versão não convenceu ninguém, pois havia evidências de tortura -depois confirmadas por testemunhas que relataram ter ouvido gritos do jornalista na prisão.

A morte de Vlado, como era conhecido, abalou o país e levou milhares às ruas para um culto ecumênico na praça da Sé, na capital paulista, sob o comando do arcebispo emérito de São Paulo, cardeal dom Paulo Evaristo Arns, no maior ato público contra o regime militar desde 1964.
A convite da secretaria, a montagem dirigida por Nei Gomes ficará disponível por 24h após a exibição no festival. O festival SP sem Censura, que no ano passado se chamou Verão sem Censura, reúne peças, filmes e outras manifestações que tenham por tema a censura às artes.

A paralisação do mercado artístico também aparece nas obras do festival, e na “Patética” não é diferente.

A própria Cia Estável sofre com ela: foi despejada de sua sede durante a pandemia do novo coronavírus, em 2020. “Nós também tivemos que desmontar nossa lona, carregar as tralhas e colocar em um lugar temporário, onde estão guardadas até hoje”, diz a atriz.

A pandemia, inclusive, impediu que o projeto voltasse a circular de forma presencial. “A gente pensou muito como fazer de uma forma segura, mas não tem como. Por isso, demos sorte de ter um bom material captado de uma das nossas montagens e poder utilizar isso neste momento.”

O texto chegou pela primeira vez à companhia em 2002, no meio de uma montagem de uma homenagem ao artista Flávio Império, que fez os cenários e os figurinos da montagem original dos anos 1980. Em 2017, veio a decisão de remontá-la.

“Que pena que a peça é tão pertinente aos nossos tempos. A gente queria que fosse mais um registro histórico do que não deve nunca mais acontecer, mas se tornou mais do que isso”, afirma Dressler.
A cenografia da montagem da Cia Estável também traz um marco dos dias atuais. O responsável por ela, o cenógrafo Luis Rossi, se tornou em março uma das quase 470 mil vítimas da Covid-19 no Brasil.

PATÉTICA
Quando Sábado (5), às 20h
Onde Redes sociais da Secretaria Municipal de Cultura
Preço Grátis
Classificação 10 anos

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