Pesquisa internacional mostra aumento significativo nos extremos climáticos na floresta entre 1980 e 2010. Fenômeno tem relação com mudanças na temperatura dos oceanos e pode se agravar com o aquecimento global.
Um estudo publicado na última terça-feira (17/06) na revista científica Communications Earth & Environment revelou alterações significativas nos ciclos hidrológicos da Amazônia. Segundo a pesquisa, os períodos de chuva aumentaram entre 15% e 22% entre os anos de 1980 e 2010. Já as estiagens tornaram-se mais severas, com um crescimento de 8% a 13% no mesmo intervalo.
Esses dados ajudam a explicar os extremos climáticos que vêm sendo registrados na região amazônica. Cidades do Acre, por exemplo, enfrentaram em março deste ano inundações graves, com rios transbordando e obrigando o governo federal a decretar estado de emergência. Curiosamente, o mesmo estado já havia decretado emergência meses antes, mas em razão da seca extrema.
A seca de 2023 foi considerada uma das piores da história na bacia amazônica, segundo a Organização Meteorológica Mundial (OMM), entidade vinculada à ONU. Estima-se que cerca de 745 mil pessoas tenham sido impactadas diretamente pelo evento climático.
Anéis de crescimento revelam o clima do passado
A pesquisa é fruto de uma colaboração entre cientistas das universidades britânicas de Birmingham, Leeds e Leicester e do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), no Brasil. O objetivo foi entender como os ciclos de chuva e seca mudaram ao longo do tempo por meio de um método inovador: a análise dos anéis de crescimento de árvores.
“As árvores crescem mais na estação favorável, e formam marcas anuais em sua madeira que indicam essas variações. Essas marcas, chamadas de anéis de crescimento, são como registros do clima de cada ano”, explica o pesquisador brasileiro Bruno Cintra, principal autor do estudo, atualmente vinculado à Universidade de Birmingham.
Os cientistas investigaram dois tipos de árvores com comportamentos distintos: o cedro (espécie de terra firme) e a arapari (espécie que cresce em áreas de várzea). Nesses anéis, foi medida a presença do isótopo de oxigênio, um marcador químico que indica a quantidade de chuva captada pelas árvores durante seu crescimento.
Mudanças nos oceanos explicam variações
Os resultados revelaram que houve uma diminuição do isótopo de oxigênio nas árvores que crescem durante a estação chuvosa, o que indica um aumento nas chuvas nesse período. Por outro lado, nas espécies que crescem na estação seca, o nível do isótopo aumentou, apontando uma diminuição da precipitação.

Uma das principais hipóteses dos pesquisadores para explicar esse desequilíbrio é a mudança na temperatura da superfície dos oceanos. O aquecimento no Pacífico Equatorial Leste pode estar tornando a estação chuvosa ainda mais úmida, enquanto o resfriamento do Atlântico Tropical intensifica a seca.
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Cintra alerta que, embora esse comportamento possa ter componentes naturais, o aquecimento global já é um fator que influencia diretamente as temperaturas dos oceanos. “Se o Atlântico continuar aquecendo, como muitos modelos climáticos preveem, a tendência é que esses extremos se tornem ainda mais severos nos próximos anos”, diz.
Impactos vão além da Amazônia
As alterações no regime de chuvas e secas na Amazônia não afetam apenas a região Norte. A floresta exerce um papel fundamental no transporte de umidade para outras regiões do Brasil por meio do processo de evapotranspiração — a chamada “reciclagem de chuvas”.
“Se esses extremos começarem a comprometer a saúde da floresta, isso pode afetar diretamente esse mecanismo natural de transporte de umidade”, alerta Cintra. “E essa reciclagem é o motor das chuvas em boa parte do território brasileiro, inclusive em estados como São Paulo.”
O estudo reforça a importância de monitorar e preservar a Amazônia não apenas por sua biodiversidade, mas também por seu papel crucial no equilíbrio climático do país e do planeta.