Casos de dengue batem recorde nas Américas em 2024

Surto é maior registrado desde o início da medição em 1980 e Brasil lidera no número de casos

Os casos de dengue quase triplicaram neste ano nas Américas, e a doença ampliou seu território, alertou a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) nesta terça-feira (10/12). A região das Américas enfrenta a pior epidemia da doença desde que começaram os registros, em 1980, com a grande maioria dos casos no Brasil.

Os países da região relataram até o momento 12,6 milhões de casos suspeitos, sendo 21 mil graves. Em todo o ano passado, o número de infectados foi de 4,6 milhões, e 9.198 tiveram complicações mais sérias.

Neste ano, ao menos 7.700 pessoas morreram em decorrência do vírus, transmitido pelo mosquito Aedes aegypti. De acordo com os dados da Opas, esse número é três vezes maior que o registrado no ano passado, e 76% dos óbitos foram registrados no Brasil.

A doença tem avançado à medida que o clima mais quente – resultado das mudanças climáticas –permite a proliferação dos mosquitos, frisou o diretor da organização, Jarbas Barbosa, em coletiva à imprensa.

“Isso está diretamente ligado a eventos climáticos”, afirmou, citando temperaturas mais altas, secas e enchentes como exemplos de situações extremas que favorecem o surgimento do mosquito e a propagação do vírus. O rápido crescimento populacional, urbanização não planejada e falta de saneamento básico também contribuem para o aumento da dengue, completou Barbosa.

Brasil no centro da epidemia

De acordo com os dados da Opas – que é o braço da Organização Mundial da Saúde (OMS) nas Américas –, o Brasil concentra 10 milhões de todos os casos de dengue relatados. A Argentina vem em seguida, com mais de 580 mil, e México, com mais de 500 mil.

Segundo o Painel de Monitoramento das Arboviroses do Ministério da Saúde brasileiro, atualizado em 10 de dezembro, o país teve 6,8 milhões de casos e 5.950 mortes confirmadas. Há ainda 1.091 óbitos suspeitos.

O coeficiente de incidência da dengue está em 3.330,9 por 100 mil habitantes no Brasil, segundo os dados mais atualizados. A OMS considera taxas acima de 300 casos por 100 mil habitantes indicadores de epidemia.

O vírus tem se alastrado tanto em lugares que há muito tempo lutam contra a doença quanto em áreas onde sua disseminação era desconhecida até pouco tempo, como nos Estados Unidos. Houve transmissão local da dengue registrada na Califórnia, Flórida e Texas neste ano, de acordo com os Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos.

Os casos em Porto Rico quase quadruplicaram em relação ao ano passado, o que fez com que o governo local declarasse emergência de saúde pública. Cenas comuns para um brasileiro começaram a se tornar rotineiras no território pertencente aos EUA: campanhas pedindo para que as pessoas se livrem da água estagnada, onde os mosquitos põem ovos.

O governo de Trinidad e Tobago começou a multar propriedades com criadouros de mosquitos, o que acontece no Brasil há anos.

“A dengue representa um risco maior do que o normal para as crianças. Em países como a Guatemala, 70% das mortes por dengue ocorreram em crianças”, afirmou Barbosa durante entrevista coletiva, destacando que crianças menores de 15 anos representam mais de um terço dos casos graves em países como Costa Rica, México e Paraguai.

Tipos de dengue

Existem quatro tipos de vírus da dengue, conhecidos como 1, 2, 3 e 4. Ter um tipo de vírus não confere imunidade contra os outros.

Pela primeira vez em uma década, o sorotipo 3 da dengue predominou no México, América Central e partes do Caribe no segundo semestre do ano, relatou Thais dos Santos, assessora da Opas para doenças arbovirais.

Muitos infectados não ficam doentes, mas algumas sentem dor de cabeça, febre e sintomas semelhantes aos da gripe. Casos graves podem causar sangramento sério, choque e morte. Infecções repetidas podem ser especialmente perigosas.

Vacinas

As vacinas contra a dengue foram introduzidas no Peru, Brasil e Argentina, informou a organização. Honduras deve recebê-las no próximo ano, mas elas se destinam principalmente a crianças e são mais eficazes em pessoas já infectadas com a dengue, disse Santos.

Ela afirma que os suprimentos são limitados e que não se espera que as vacinas tenham um grande impacto na transmissão. Ela enfatizou que medidas preventivas continuam sendo cruciais. “Se não houver mosquito, não há dengue.”

Oropouche e gripe aviária

A Opas também observou um aumento nos casos de oropouche, um vírus transmitido por maruins infectados e algumas espécies de mosquitos. Em 2024, foram mais de 11,6 mil casos notificados em 12 países e territórios da região, principalmente no Brasil.

“Embora o surto de oropouche tenha uma escala muito menor que o da dengue, requer nossa atenção devido à sua crescente expansão geográfica” fora da Bacia Amazônica, incluindo áreas sem histórico prévio desta doença, comentou o diretor da Opas.

A possibilidade de transmissão materno-infantil, incluindo mortes fetais e anomalias congênitas, está sendo investigada. “Os países devem reforçar sua vigilância e continuar compartilhando informações. Devemos trabalhar de forma transfronteiriça para monitorar novos casos e apoiar os sistemas de saúde na resposta”, disse Barbosa.

Sobre a incidência de gripe aviária, também conhecida como vírus H5N1, houve 58 casos humanos notificados nos Estados Unidos e um no Canadá. Nos dois anos anteriores, foram apenas três casos relatados. No entanto, o impacto desse aumento “permanece limitado”, afirmou o diretor.

Como prevenir e combater a dengue?

Fortes chuvas e altas temperaturas favorecem o desenvolvimento do Aedes aegypti, um dos mosquitos que carregam o vírus da doença. Uma nova vacina passou a ser oferecida no Brasil este ano, com uma campanha de vacinação iniciada no país em fevereiro.

Aedes aegypti se adapta particularmente bem a ambientes urbanos. O mesmo não acontece com o Aedes albopictus, espécie parente conhecida como mosquito-tigre-asiático devido às suas manchas pretas e brancas características. Ambas podem transmitir a dengue.

Os mosquitos do gênero Aedes são nativos de regiões tropicais e subtropicais. Entretanto, devido às mudanças climáticas e ao aquecimento global, eles encontram agora condições de vida cada vez melhores na Europa. Os mosquitos, afinal, adoram climas com muito calor e umidade.

Por que a dengue é com frequência tratada incorretamente?

Como muitos sintomas são semelhantes, a dengue é frequentemente confundida com gripe ou outras infecções virais, como a malária ou a doença do vírus Zika, levando assim a um tratamento incorreto.

Não existe nenhum teste rápido simples e barato capaz de detectar a dengue. Um diagnóstico confiável exige exames de sangue em laboratórios especializados.

Quais medicamentos ajudam e quais podem ser prejudiciais?

Dado que ainda não há uma terapia antiviral específica, como existe para a malária, o tratamento se limita ao alívio dos sintomas. É importante ficar atento para uma ingestão adequada de água, já que a doença pode provocar grande perda de líquidos, sobretudo por meio de febre e vômitos.

Medicamentos como paracetamol podem ser usados ​​para aliviar a febre e a dor. Já o uso de anti-inflamatórios não esteroides (AINEs), como o ibuprofeno, deve ser evitado, pois pode aumentar o risco de sangramento. Isso também se aplica a medicamentos que contêm o ingrediente ativo ácido acetilsalicílico, como a aspirina, porque ele afina o sangue.

Quem se infecta com a dengue adquire imunidade?

Existem quatro sorotipos diferentes do vírus da dengue, denominados DENV-1, DENV-2, DENV-3 e DENV-4. Quem é infectado por um determinado sorotipo geralmente fica imune a esse sorotipo específico – mas não aos outros. Além disso, a imunidade pode diminuir com o tempo.

Como se proteger do mosquito?

Aedes aegypti e Aedes albopictus preferem picar suas vítimas ao ar livre pela manhã e no fim de tarde. Eles evitam o sol escaldante e preferem ficar na sombra. Por isso, é importante passar repelente de mosquitos no corpo durante o dia e, se possível, vestir roupas compridas que cubram também os braços e as pernas.

Eles põem seus ovos em pequenos reservatórios de água parada, como vasos de flores, barris de chuva ou pneus de carros. Tais focos de propagação devem ser evitados e, se possível, removidos ou cobertos.

Existe vacina contra a dengue?

Atualmente, há duas vacinas aprovadas. Uma delas é a Dengvaxia da Sanofi Pasteur, que oferece proteção contra os quatro sorotipos do vírus e deve ser administrada em doses múltiplas para fornecer proteção suficiente. Essa vacina, no entanto, traz uma desvantagem: depois da vacinação com a Dengvaxia, há um maior risco de desenolver um quadro grave da doença no caso de uma infecção posterior por uma picada.

Se após a vacinação não são produzidos anticorpos suficientes para criar imunidade completa contra todos os quatro sorotipos do vírus da dengue, pode ocorrer o que é conhecido como “potencialização dependente de anticorpos” (ADE, na sigla em inglês). As partículas do vírus podem então entrar nas células e piorar a infecção em vez de combatê-la.

É por isso que a Dengvaxia praticamente não é usada na Europa. Na maioria das vezes, a vacina só é recomendada em áreas onde a dengue já é endêmica, ou seja, ocorre de forma constante e regular.

A segunda vacina, a Qdenga, da Takeda, causa menos efeitos colaterais e pode ser aplicada a partir dos quatro anos de idade. Essa nova vacina, porém, oferece eficácia confirmada de longo prazo na prevenção de hospitalização apenas contra três sorotipos de dengue (não foi confirmada para o sorotipo DEN-4 devido à menor incidência de casos no estudo de longo prazo). A Qdenga é o imunizaante utilizado na campanha de vacinação no Brasil, que passou a ser aplicada em parte da população de regiões endêmicas a partir de fevereiro de 2024.

Mosquitos modificados podem reduzir casos de dengue

Mosquitos infectados com a bactéria Wolbachia podem estar associados a uma queda de 97% nas infecções de dengue em três cidade do vale de Aburra, na Colômbia, segundo o resultado de um estudo realizado pelo programa sem fins lucrativos World Mosquito, que foi divulgado no final de outubro.

Pesquisadores do World Mosquito buscam diminuir a disseminação de doenças potencialmente mortais transmitidas por mosquitos, como dengue, zika e febre amarela, espalhando milhões deste tipo de inseto infectados por Wolbachia em regiões onde essas doenças são comuns.

A bactéria Wolbachia diminui significativamente a capacidade dos mosquitos Aedes aegypti – um dos maiores transmissores de doenças vetoriais em todo o mundo – de transmitirem doenças. A fêmea infectada transmite a bactéria aos filhotes, perpetuando a Wolbachia nas próximas gerações. O cruzamento natural garante a perpetuação dos mosquitos com a bactéria e não exige novas liberações depois que a população de mosquitos com a Wolbachia se estabelece.

Após uma fase inicial de testes na cidade colombiana de Bello, em 2015, os pesquisadores ampliaram a liberação destes mosquitos infectados para Medellín e Itagui. Apesar de pesquisas semelhantes ocorrerem em outras partes do mundo, esta é a maior já realizada pelo programa.

Em abril de 2022, os cientistas concluíram que cerca de 80% de todos os mosquitos em Bello e Itagui e 60% em Medellín haviam sido contaminados pela bactéria através da reprodução cruzada. Para verificar o impacto desta mudança na transmissão da dengue, foram avaliados o número de casos reportados durante a liberação dos mosquitos infectados até julho de 2022.

Eficácia real

Os pesquisadores concluíram que a introdução dos mosquitos infectados nas populações locais de mosquitos esteve “associada a uma redução significativa” dos casos de dengue em até 97% em cada cidade, em comparação com os dados registrados dez anos antes do início do experimento.

Também foi realizado um estudo de controle de casos em Medellín, onde foi encontrada uma associação causal entre a chegada dos mosquitos infectados e a redução dos casos de dengue. Segundo os pesquisadores, os resultados demonstraram uma diminuição de 47% na incidência de dengue nos bairros onde esses mosquitos foram liberados.

Eles afirmam que essa foi a maior liberação contínua desses insetos. Os resultados positivos “destacam a viabilidade operacional e a eficácia no mundo real da liberação em grandes contextos urbanos e a reprodutibilidade dos benefícios para a saúde pública em contextos ecológicos diferentes”.

Apesar de o estudo realizado na Colômbia ser o mais amplo já concluído, os pesquisadores do programa World Mosquito realizam experimentos semelhantes em outros países. Um estudo em Yogyakarta, na Indonésia, mostrou uma redução de 77% nos casos de dengue após a aplicação deste método. No Brasil, até o momento, foi registrada uma diminuição de 38%.

“Uma vez introduzidos nas populações locais, os mosquitos com Wolbachia permanecem por lá. Não é necessário liberar mais mosquitos”, explicou à DW o biólogo Rafael Maciel de Freitas, da Fundação Oswaldo Cruz e do Instituto de Medicina Tropical Bernhard Nocht.

Freitas, porém, alertou para a preocupação de que esse método possa não funcionar para sempre, dada a grande possibilidade de o patógeno da dengue encontrar um meio de se adaptar e contornar a bactéria Wolbachia. “O vírus provavelmente encontrará um caminho para superar esse efeito”, observou.

“Eu não diria que a Wolbachia é a solução para a dengue, mas acho que temos uma resposta melhor para a doença através desse caminho”, disse Freitas.

Ressalvas

Tudo isso soa como uma boa notícia, e pode até ser. Há, porém, algumas ressalvas, como o alto custo de implementação dos métodos do programa World Mosquito.

Além disso, ainda não está claro se a diminuição dos casos de dengue observada na Colômbia e em outros lugares pode ser atribuída somente a esse método. A doença ocorre em ondas, ou seja, cidades com muitos e frequentes casos no passado podem passar anos sem novos surtos.

Há também algumas regiões onde os mosquitos infectados pela Wolbachia parecem não reduzir os casos de dengue ou houve uma diminuição moderada em comparação com outros locais. Os cientistas ainda não sabem quais fatores deixam algumas regiões mais resistentes a esse método.

O programa World Mosquito quer ampliar suas operações na próxima década, já tendo anunciado os planos de construção de uma fábrica no Brasil para produzir 5 bilhões de mosquitos infectados com Wolbachia por ano.

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