Frente Parlamentar da Agropecuária critica medida do governo que busca combater a inflação, mas evita discutir impactos para o consumidor
A proposta do governo federal de reduzir tarifas de importação sobre alimentos, apresentada como estratégia para conter a inflação e aliviar o peso do custo de vida para os brasileiros, enfrenta resistência da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), conhecida como Bancada Ruralista. O grupo, tradicional defensor dos interesses do agronegócio, acusou o governo de demagogia e rejeitou qualquer medida que não passe pelo fortalecimento do setor agrícola nacional.
O presidente da FPA, deputado Pedro Lupion (PP-PR), em nota divulgada na última sexta-feira (24), classificou a proposta como “mais uma medida desesperada e mal pensada do governo”, ignorando o fato de que o custo dos alimentos tem pesado desproporcionalmente sobre as famílias brasileiras, especialmente as de baixa renda. Em 2023, segundo dados do IBGE, os alimentos e bebidas foram responsáveis por mais de 20% do IPCA, atingindo com mais força os mais vulneráveis.
Enquanto o governo argumenta que a redução tarifária pode ajudar a aliviar preços no curto prazo, a bancada prefere insistir em críticas ao gasto público e na defesa de estímulos ao produtor rural, sem apresentar soluções diretas para a crise inflacionária que afeta os consumidores.
Desafios para quem?
A reação da bancada ruralista expõe um claro desalinhamento com os interesses da maioria da população. O vice-presidente da FPA, deputado Arnaldo Jardim (Cidadania-SP), afirmou que “não há desequilíbrio no agronegócio brasileiro” e que o foco deveria ser na redução de custos internos. No entanto, ao defender a ideia de que as exportações em grande escala são suficientes para manter os preços baixos internamente, ignora-se o impacto da valorização cambial e do custo elevado de produção que tem se traduzido em alta de preços para o consumidor final.
Ao mesmo tempo, as propostas levantadas pela bancada — como o aumento de crédito subsidiado e melhorias logísticas — esbarram em dificuldades práticas e na falta de uma visão integradora que contemple os desafios da fome e do acesso à alimentação no Brasil. Em 2022, o país voltou ao Mapa da Fome, com mais de 33 milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar grave, segundo o relatório da Rede Penssan. Nesse contexto, a resistência à redução tarifária parece servir mais à proteção de margens de lucro do que à garantia de alimentos acessíveis.
Uma posição que se repete
A oposição da bancada ruralista a políticas que ampliem o acesso a alimentos não é novidade. Em 2024, diante da proposta de importação de arroz para mitigar perdas causadas por enchentes no Rio Grande do Sul, o grupo reagiu com veemência, mesmo diante de alertas de especialistas sobre possíveis impactos no abastecimento. No fim, o leilão foi cancelado, mas a postura da bancada revelou sua resistência a qualquer medida que privilegie o consumidor em detrimento do setor exportador.
Curiosamente, a bancada mantém uma narrativa de defesa do “produtor nacional”, enquanto o agronegócio brasileiro, voltado majoritariamente à exportação, acumula sucessivos recordes de receita em moeda estrangeira. Em 2023, o setor faturou mais de US$ 159 bilhões, segundo a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), com soja, carne e milho liderando as exportações. Ainda assim, os ganhos não têm se traduzido em redução de preços no mercado interno, e o consumidor continua refém da alta dos alimentos.
Retórica sem solução
O discurso da FPA também se apoia na crítica ao gasto público como fonte de todos os males econômicos. “A inflação como um todo, não apenas dos alimentos, está descontrolada pela falta de capacidade e compromisso do governo em cortar seus próprios gastos e ter o mínimo de responsabilidade com as suas contas”, afirmou Lupion na nota oficial. No entanto, essa retórica ignora a complexidade das causas inflacionárias, que envolvem desde flutuações cambiais até pressões globais nos preços de commodities.
A proposta governamental, ainda que limitada em alcance, aponta para a necessidade de ações concretas e imediatas. Como destacou a economista Laura Carvalho, professora da USP, “a inflação de alimentos afeta de forma mais dura os mais pobres, e medidas que ampliem o acesso a bens essenciais têm que ser prioridade em qualquer governo que se preocupe com justiça social.”
O foco exclusivo da bancada ruralista em proteger o produtor, sem apresentar alternativas viáveis e rápidas para conter os altos preços, revela uma desconexão com as demandas do cotidiano da população. Enquanto a FPA defende crédito barato e infraestrutura, questões de médio e longo prazo, o consumidor enfrenta o desafio diário de fazer caber no orçamento o arroz, o feijão e os demais itens básicos.
Interesses em conflito
A postura da bancada ruralista evidencia o conflito entre os interesses do agronegócio e as necessidades do consumidor brasileiro. Ao priorizar a manutenção de tarifas que protegem o setor exportador, o grupo político se mostra indiferente à urgência de ações que beneficiem diretamente os brasileiros mais pobres, que gastam proporcionalmente mais de sua renda em alimentos.
O economista e Nobel de Economia Amartya Sen alerta que “a fome não é apenas uma questão de falta de alimentos, mas de desigualdade no acesso a eles.” No Brasil, a resistência da FPA à redução de tarifas é um reflexo dessa desigualdade estrutural, onde o lucro exportador se sobrepõe ao direito básico à alimentação.
Diante do retorno da fome e da persistência da inflação, as prioridades do debate público devem ser claras. Não se trata apenas de proteger o produtor, mas de garantir que todos os brasileiros possam ter acesso à mesa farta que o agronegócio tanto gosta de exibir em suas campanhas. Afinal, de que vale ser o “celeiro do mundo” se a própria casa permanece vazia?