Anéis de árvore revelam: Amazônia vive um ciclo hidrológico mais extremo; chuvas intensas e secas severas se aproximam

Anéis de cedros e macrolóbios analisados por cientistas britânicos e brasileiros revelam que, desde 1980, as chuvas na estação úmida aumentaram enquanto a seca se intensificou na Amazônia, sinalizando riscos crescentes para florestas, rios e comunidades locais.

Nas profundezas da floresta amazônica, troncos de cedros e macrolóbios guardam arquivos climáticos tão precisos quanto qualquer estação meteorológica de última geraçãoUma equipe de pesquisadores da University of Birmingham, University of Leeds, University of Leicester, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) e do Met Office Hadley Centre analisou isótopos de oxigênio nos anéis desses gigantes verdes para reconstruir quatro décadas de história hidrológica do bioma .

O resultado é perturbador: desde 1980, o regime de chuvas da região tornou-se mais contrastado, com estações úmidas cada vez mais molhadas e secas cada vez mais rigorosas.

Essa conclusão surge justamente onde os dados de pluviômetros falham. A Amazônia possui, em média, apenas um pluviômetro para cada 150 mil km², e muitos registros são descontínuos . Os anéis de árvore, ao contrário, oferecem uma linha do tempo anual sem lacunas, permitindo aos cientistas estimar mudanças sazonais de precipitação com alta confiança.

Como a ciência lê os anéis da floresta

A chave está no isótopo ^18O presente na celulose dos anéis. Quando a umidade atmosférica se desloca do Atlântico para o interior do continente, as moléculas mais pesadas de água precipitam primeiro, deixando a chuva progressivamente mais “leve” em ^18O.

Comparar duas espécies permitiu reconstruir, pela primeira vez, tendências sazonais opostas num raio de mil quilômetros.

Cedros de terra-firme (Cedrela odorata), que crescem durante a estação chuvosa, registram a assinatura úmida; já o macrolóbio (Macrolobium acaciifolium), típico de várzea, só forma madeira na fase em que o rio baixa, capturando a estação seca .

várzea, árvore
Macrolóbio (Macrolobium acaciifolium), espécie de várzea que cresce apenas durante a vazante dos rios, registrando nos anéis a assinatura da estação seca.

Aplicando um modelo de destilação de Rayleigh, o mesmo princípio que descreve a formação de nuvens, os autores converteram variações de isótopos em percentuais de chuva. Isso revelou uma Amazônia que, paradoxalmente, está tanto “mais molhada” quanto “mais seca”, dependendo do mês do ano.

Principais descobertas em números

Os dados extraídos dos anéis das árvores revelam tendências hidrológicas consistentes e alarmantes que apontam para um ciclo mais intenso e contrastado na Amazônia. A seguir, alguns dos principais achados expressos em números:

  • +5 a +7,1 % por década de aumento nas chuvas da estação úmida, equivalentes a 15–22 % desde 1980
  • -1,9 a -4,4 % por década de redução nas chuvas da estação seca, ou 6–13 % de queda acumulada
  • Quatro das maiores cheias do rio Amazonas e três das piores vazantes do registro de 122 anos ocorreram entre 2009 e 2024
  • A área máxima inundada aumentou 26 % desde 1980, enquanto secas prolongadas facilitaram a propagação de incêndios florestais

Esses números superam as estimativas obtidas por grades de satélite, demonstrando o valor singular dos registros dendroisotópicos para regiões remotas.

Por que isso importa para as florestas e as pessoas?

O calendário hídrico mais extremo ameaça a resiliência ecológica da Amazônia. Cheias maiores prolongam o alagamento das várzeas, afetando o ciclo de vida de espécies que dependem de pulsos de inundação regulares; secas prolongadas privam árvores de terra-firme da água necessária durante meses críticos de crescimento, abrindo caminho a incêndios e aumento da mortalidade arbórea .

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Para as populações ribeirinhas, o impacto é direto: enchentes recordes danificam plantações, vilas e infraestrutura; vazantes profundas dificultam a navegação, isolando comunidades e encarecendo alimentos. O agronegócio, que depende de hidrovias para escoar grãos, vê custos logísticos dispararem em anos sucessivos de extremos opostos .

Lições e caminhos futuros

A pesquisa mostra que, mesmo sem desmatamento total, mudanças sutis no balanço energético do planeta já bastam para amplificar a sazonalidade da maior floresta tropical do mundo.

Modelos climáticos que projetavam apenas secagem generalizada ou simples aumento de chuvas precisam ser ajustados para captar essa dualidade.

Os autores defendem a expansão de redes de monitoramento isotópico em outras partes da bacia e recomendam incorporar as novas taxas de intensificação em políticas de adaptação, do zoneamento agropecuário ao planejamento de hidrelétricas. Ao final, os anéis de árvore funcionam como um lembrete silencioso de que o clima já mudou, e de que nosso tempo para reagir depende, literalmente, de contar esses anéis antes que seja tarde demais.

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