Especialista ressalta que confiança e autoconhecimento impactam fortalecimento do vínculo
O Dia dos Namorados, celebrado em 12 de junho, convida à reflexão sobre o amor e os formatos de relacionamento. Cada vez mais, os modelos tradicionais de casal, que pressupõem exclusividade, dão lugar a formas diversas de amar. Entre elas, o relacionamento aberto tem ganhado espaço e curiosidade, especialmente entre os jovens. Segundo pesquisa do Ashley Madison, um site focado em encontros extraconjugais, 62% dos brasileiros da geração Z consideram relacionamentos não-monogâmicos, e o Brasil lidera o ranking mundial dessa preferência entre dez países avaliados.
Relacionamento aberto é quando o casal permite vínculos afetivos ou sexuais com outras pessoas, sem que isso seja visto como traição. Mas liberdade não significa ausência de regras. A psicóloga e professora da Estácio, Simone Silveira Cougo, explica que esse é apenas um dos estilos dentro da não-monogamia e que conversar é fundamental. “É necessário comunicar seus desejos e limites ao parceiro. Compreender os estilos de relacionamentos possíveis e os acordos que podem ser feitos para além da monogamia também é muito importante”, afirma.
Diálogo, autoconhecimento e acordos claros
A pedagoga Amanda Passos, que vive um relacionamento aberto, reforça a importância do diálogo e da base emocional sólida. Casada e mãe de dois filhos, ela conta que a decisão de abrir o relacionamento não deve partir de uma tentativa de salvar a relação ou apimentar a rotina, pois isso pode gerar insegurança e desconfiança. “Antes de abrir uma relação, o mais importante que deve se levar em conta é como o casal se encontra atualmente. Como está o vínculo entre eles? A cumplicidade, amizade, a confiança?”, questiona.
Ela ressalta que a abertura deve ser uma decisão justa e conjunta, não uma concessão unilateral. “Se propor a experimentar algo a pedido do parceiro pode gerar outros problemas na relação”, alerta.
Simone explica que não existe fórmula única para o funcionamento do relacionamento aberto. “Cada casal cria regras específicas, como não levar parceiros para dentro de casa, por exemplo. Esses acordos devem ser definidos após muita conversa e autoconhecimento”, diz.
Uma dúvida comum é se o relacionamento aberto pode fortalecer o vínculo amoroso. A psicóloga pondera que isso depende de muitos fatores, entre eles a confiança, a comunicação e o autoconhecimento das pessoas envolvidas. “Quando as pessoas têm um bom nível de autoconhecimento e habilidades sociais, como expressar necessidades e pedir mudanças de comportamento respeitosamente, a probabilidade de que o vínculo seja fortalecido pode aumentar”, explica.
Ela também chama atenção para as questões de gênero e diversidade sexual. “Homens, independentemente da orientação sexual, são socialmente liberados a se relacionarem com mais parceiras ou parceiros. Já as mulheres muitas vezes cedem à abertura da relação proposta pelo parceiro para não perder o vínculo amoroso”, destaca.
Para Amanda, que já experimentou a dinâmica, quando o vínculo está bem estabelecido, o relacionamento aberto traz uma nova energia. “Se o casal se sente amado e seguro, as novas experiências e vivências, além da oportunidade de conhecer outras pessoas, trazem uma dinâmica interessante, tanto sexual quanto na cumplicidade. O afeto de um não substitui o do outro. O que pode atrapalhar é cair na comparação, pois cada pessoa e cada vínculo são únicos”, ressalta.
Mesmo com mais pessoas adotando e debatendo o relacionamento aberto, o tema ainda enfrenta preconceitos e tabus. Simone aponta que essa resistência está ligada a um pensamento social antigo, que acredita que só existe um amor verdadeiro ao longo da vida. “Isso está enraizado socialmente e se origina de acordos da antiguidade que buscavam garantir a propriedade privada”, explica.
Amanda reforça essa perspectiva, explicando que fomos criados dentro da lógica do “conto de fadas”, em que o amor verdadeiro é aquele que concentra todas as expectativas em uma única pessoa. “Além disso, essa construção histórica cria a ideia de que o outro pertence a mim, como uma posse”, diz. Ela lembra que isso funcionava para garantir que os homens transmitissem seus bens e linhagem por meio de relações monogâmicas fechadas, principalmente nas heterossexuais.
Por isso, os casos de infidelidade masculina são comuns, ainda que socialmente aceitos em alguns círculos. Amanda chama atenção para a naturalidade da atração por outras pessoas, algo que ocorre com todos, dentro ou fora de relacionamentos. “O que difere é o acordo que o casal faz. Em relacionamentos fechados, a pessoa sente a atração, mas não pode agir, o que gera a escolha entre ignorar o desejo, terminar a relação ou trair”, resume.
Relacionamentos abertos na prática: uma construção diária
O crescimento da popularidade do relacionamento aberto também está refletido nas plataformas digitais. Dados do Tinder mostram que, em 2024, esse formato foi o mais procurado pelos brasileiros, indicando maior transparência sobre os objetivos de relacionamento.
No entanto, a psicóloga Simone alerta que, para funcionar, o relacionamento aberto exige muita responsabilidade afetiva e consciência. “Não é um convite à liberdade sem limites. É preciso que cada pessoa conheça seus próprios limites e respeite o do parceiro. O diálogo deve ser constante, e o autoconhecimento é fundamental para identificar o que se sente e o que se deseja”, destaca.
Amanda concorda, lembra que pessoas não são descartáveis e reforça que o relacionamento aberto não é para todos. “Exige maturidade, respeito e empatia. Quando há isso, pode ser uma forma legítima de amor e companheirismo, que não elimina a cumplicidade e o afeto, mas amplia as possibilidades”, conclui.