Agricultura sob aquecimento global: quanto a adaptação pode realmente proteger nossas colheitas?

Um estudo internacional mostra que cada grau extra de aquecimento global ameaça reduzir drasticamente as colheitas; medidas de adaptação agrícola amenizam parte das perdas, mas não conseguem garantir plenamente a segurança alimentar planetária duradoura a longo prazo.

Comer é um ato tão cotidiano que raramente pensamos em quão frágil pode ser a cadeia de produção que coloca arroz, feijão ou trigo em nossos pratos. Mas o aquecimento global está redesenhando esse tabuleiro. Um estudo publicado na revista Nature em 19 de junho de 2025, conduzido por pesquisadores de instituições como a University of Illinois Urbana-Champaign, a University of California Berkeley, o National Bureau of Economic Research e o Climate Impact Lab, desmonta a ideia de que ajustes espontâneos nas fazendas bastarão para manter a oferta de alimentos em alta.

A equipe analisou séries históricas de seis grãos-base (milho, soja, arroz, trigo, cassava e sorgo) em 12658 regiões, território que cobre cerca de dois terços das calorias plantadas no planeta.

Combinando econometria de alta resolução a projeções de 33 modelos climáticos, os autores avaliaram quanto as práticas já adotadas pelos agricultores amortecem os impactos do clima e quanto disso ainda ficará de fora da conta nos próximos 75 anos.

O retrato global dos impactos

A primeira mensagem do estudo é direta: as perdas são grandes e aumentam quase linha reta com a temperaturaCada grau extra na média global reduz em torno de 5,5 × 10¹⁴ quilocalorias a produção anual, o equivalente a 120 kcal por pessoa, ou 4,4 % da recomendação diária de consumo. Se o mundo esquentar 4°C até 2100, esse déficit pode passar de 17%.

soja, milho, arroz
A soja, cultura estratégica para a segurança alimentar e econômica, mas altamente vulnerável ao estresse térmico em cenários de aquecimento global.

Surpreendentemente, os maiores prejuízos não recaem sobre as regiões mais pobres, mas sobre os “celeiros” de clima ameno na América do Norte, Europa e partes da América do Sul, onde o potencial de adaptação atual é mais baixo. Áreas já quentes, como partes da África e do Sudeste Asiático, sofrem menos em termos relativos porque seus agricultores, forçados pelo calor, adotam desde cedo variedades mais resistentes e esquemas de plantio flexíveis. Ainda assim, perdas de dois dígitos aparecem em quase todo o mapa.

Adaptação: solução parcial, não passe mágico

Os pesquisadores avaliaram como renda crescente, melhorias tecnológicas e escolhas inteligentes de cultivares compensam os efeitos do clima. O resultado mostra alívio, mas longe do ideal:

  • Até 2050, a adaptação prevista corta cerca de 23 % das perdas globais de calorias sob um cenário de emissões altas;
  • No fim do século, esse respiro chega a 34 %, graças ao avanço de renda e difusão tecnológica;
  • O arroz desponta como exceção otimista, com 79 % das perdas anuladas, enquanto o trigo praticamente não melhora;
  • Na América do Sul, ganhos adaptativos reduzem em 61 % o impacto projetado para 2098, puxados pelo milho e pela soja;Mesmo com todos os ajustes, nenhum dos demais grãos escapa de quedas relevantes de produtividade.

Esses números reforçam que as fazendas já reagem ao clima, alterando datas de plantio, irrigação, genética das sementes, mas não o suficiente para zerar o problema. O estudo também lembra que tais mudanças têm custo e nem sempre estão ao alcance dos pequenos produtores.

Para onde vamos a partir daqui?

Os autores concluem que a segurança alimentar exigirá mais do que confiar na criatividade das famílias rurais. Será preciso investir pesado em pesquisa agrícola, difusão de tecnologias de irrigação eficiente e políticas de seguro que protejam o produtor contra extremos climáticos.

Como o trabalho estima que as regiões ricas, justamente onde se concentram os excedentes de exportação, devem perder até 41% de rendimento em cenários pessimistas, choques de oferta podem repercutir em todo o sistema global de preços.

Para o público brasileiro, o recado tem dois lados. Por um lado, o país aparece entre as nações que podem colher benefícios expressivos ao adotar, desde já, variedades tolerantes a calor nas principais zonas produtoras e expandir o monitoramento climático de precisão.

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Por outro, a dependência de exportações de milho e soja significa que qualquer descuido na adaptação interna ou nos mercados compradores pode se traduzir em instabilidade econômica. Em suma, o estudo mostra que a adaptação funciona, mas não é panaceia. Limitar o aquecimento global continua sendo a defesa mais robusta para a agricultura, e, por extensão, para a nossa mesa.

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