A verdade sobre as filas do SUS: entre elogios e críticas

Afinal, quem está certo na guerra de narrativas sobre a eficiência do Sistema Único de Saúde?

A internação do ex-presidente Jair Bolsonaro colocou o SUS no centro das discussões. O debate entre a influenciadora Jojo Todynho e o Ministério da Saúde cristalizou duas narrativas antagônicas: de um lado, os que sustentam que “só fala bem do SUS quem não o utiliza”; de outro, aqueles que defendem que “só critica quem não o conhece”. 

No meio desse debate está um sistema reconhecido mundialmente, mas que enfrenta problemas reais: longas filas de espera por cirurgias e consultas especializadas, mesmo em um país que forma cada vez mais médicos e que tem uma proporção de médicos por população semelhante à de países desenvolvidos. “Como médico com 40 anos de profissão, posso dizer que grande parte desse problema poderia ser resolvido se a Lei 3268/57 fosse aplicada corretamente”, afirma Eduardo Teixeira, presidente da Associação Brasileira de Médicos com Expertise de Pós-Graduação (Abramepo) e professor titular da Escola de Medicina e Cirurgia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO)

Essa lei estabelece que qualquer médico com diploma reconhecido pelo Ministério da Educação (MEC) e registro no Conselho Regional de Medicina (CRM) de sua área de atuação pode exercer a medicina em todas as suas áreas. “O que vemos nos últimos anos, no entanto, são resoluções do Conselho Federal de Medicina (CFM) que limitam a atuação dos profissionais. Essas regras do CFM  impedem que médicos formados, com pós-graduação, mestrado e até doutorado, possam trabalhar em vagas do SUS, prescrever tratamentos ou emitir laudos, tudo à revelia da lei federal”, conta o cirurgião.


Normas do CFM impedem médicos sem RQE de integrarem o SUS

O resultado dessa política não poderia ser diferente: faltam especialistas no sistema público, fazendo com que pacientes enfrentem filas que podem durar anos. 

Atualmente, o CFM só concede o título de especialista a médicos que fizeram residência médica ou foram aprovados nas chamadas provas de títulos promovidas por sociedades médicas particulares. “As provas de título não formam médicos. Ao contrário das pós-graduações, elas apenas avaliam conhecimentos. Por isso, defendemos que o MEC, em conjunto com entidades médicas, crie critérios claros para reconhecer programas de pós-graduação que atendam aos requisitos necessários para formar especialistas”, argumenta o médico.

Como entidade que representa médicos de todo Brasil, a Abramepo defende que as especializações obtidas em programas de pós-graduação reconhecidos pelo MEC sejam aceitas. “Temos um contingente de, pelo menos, 280 mil especialistas não formalmente reconhecidos. Dezenas de milhares têm boa formação, são experientes, têm destaque em suas especialidades e até mesmo são professores, mas não são formalmente reconhecidos como especialistas por causa das resoluções do Conselho. Isto afasta o paciente destes médicos, reduz a oferta de especialistas e desencoraja os novos médicos a buscar a pós-graduação. Um erro que só beneficia um pequeno grupo, prejudicando médicos, população e governo. Entendemos que a pós-graduação é um caminho válido para a especialização, especialmente porque não há vagas de residência suficientes para todos os médicos formados e há muitos programas de pós-graduação que oferecem formação equivalente à residência, com carga horária adequada e prática supervisionada”, comenta Teixeira.

Sim, o SUS é um sistema digno de elogios, exerce um papel indispensável em um país marcado por profundas desigualdades sociais. Justamente por isso, precisa ser tratado com a importância devida. “Não é razoável que disputas corporativas limitem o acesso da população à saúde de qualidade. A Abramepo luta por um sistema mais justo, que reconheça diferentes caminhos para a especialização médica e permita que a população tenha acesso a mais médicos qualificados”.

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