“Penso, logo posto”

Antes de o mundo ser selfie, eu já fazia isso: colocava um par de tênis e saía para correr. Ninguém sabia, ninguém via, e nenhuma diferença fazia. Mas eu cumpria o simples propósito de me exercitar, respirar, divagar, raciocinar, enquanto suava.

Hoje, muitos gygabites depois, a pegada é outra. E foi em uma dessas minhas corridas que me assustei com a paisagem pós-moderna do mesmo parque que frequento há décadas. O grande protagonista do crepúsculo fantástico era o celular. Não para registrar a imponência e majestade do sol, mas para caçar Pokemóns. Sim! O que era aquele entardecer diante de arrebatadora novidade? 

O sunset, mesmo resguardado pelo seu absolutismo, se tornou um tímido coadjuvante, mostrando-se somente para alguns que, como eu, ainda insistem nas coisas simples e naturais da vida Inspiro, respiro, suspiro. Por que viemos por esse caminho? Oque há de mais atrativo no virtual, que enxota o real para escanteio cada dia mais, um pouquinho mais? Talvez tenha entendido. É muito mais seguro e confortável assim: viver sem conviver, sorrir sem rir, escutar sem ouvir, deixar de ser, apenas existir. Não tão intenso quanto parece, mas confortável. Rápido. Prático. 

Observável. Admirável. Invejável.

Não basta comprar, tem que mostrar. Para que amor, se não for para expor? Nasce uma nova forma de se comunicar. A que substitui o trivial abraço por um longo texto de homenagem nas redes sociais. A que divide cada anseio, dúvida, medo, certeza, tolerância, multiplicando a intolerância. A que aproxima na mesma intensidade e velocidade com que isola. A que publica, indica e medica, sem compromisso com o que fica.

Para onde estamos indo? Minha visão míope não consegue enxergar. Talvez estejamos definitivamente atravessando a linha do verdadeiro, rumo a avatares de nós mesmos. Para criá-los e lapidá-los com esmero, apossamo-nos de toda onipotência, onisciência e onipresença da rede, utilizando-as ao nosso bel-prazer. Nisso eu aposto. Logo, posto.

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