Se alguém me perguntar que lugar do mundo todos deveriam conhecer antes de morrer, sugeriria – sem nenhuma dúvida – o Japão. Tenho uma relação muito forte com o país. Meus avós maternos eram japoneses e também vivi em Tokyo por pouco mais de um ano, o que me deixou completamente apaixonada pela cidade. Nada se compara ao Japão. Foi por isso que escolhi passar as férias de julho na terra do sol nascente. Voltei ao país que amo, após dez longos anos distante.
A primeira parada da viagem foi Okinawa, o lugar em que meus avós nasceram. Nunca tinha visitado a ilha, que fica no sul do Japão. Foi uma espécie de volta às origens. O povo okinawano é muito diferente dos japoneses do continente. Eles têm a pele mais escura (como a minha) e são muito abertos e alegres.
Okinawa é o único lugar no mundo no qual não me senti “estrangeira”. Explico: no Brasil sou japonesa (ou seja, estrangeira), em Tokyo sougaijin (estrangeira) e nos Estados Unidos, onde vivo atualmente, sou foreigner (estrangeira). Mas em Okinawa eu era vista e tratada como qualquer outra uchinanchu (okinawana, no idioma local).A sensação era de estar em casa, literalmente. Pude até provar o sobá que hoje é um prato tradicional de Campo Grande, trazido pelos okinawanos para a região central do Brasil.
O sabor do caldo é o mesmo e do macarrão também. A diferença principal são os ingredientes colocados sobre o prato. O sobá de Okinawa leva carne de porco (a ilha é conhecida pela produção de carne suína), kamaboko (uma espécie de bolo de frutos do mar), e a cebolinha é mais fina e saborosa (a chamada cebolete). Os okinawanos em Mato Grosso do Sul foram muito criativos ao substituir o kamaboko pelos ovos e a cebolete pela cebolinha.
o verão, o sobá é servido com chá de jasmim gelado. Aliás, admito que nunca passei tanto calor em minha vida. Sabe a sensação de estar numa sauna? É assim que me senti ao caminhar pelas ruas de Okinawa, sem exageros. Talvez tenha sido pelas altas temperaturas é que meus avós escolheram Aquidauana para viver. Mas o que eles devem ter sentido muita falta foi do mar. As praias de Okinawa são paradisíacas! Infelizmente não pude conhecer todas elas. Afinal, a minha viagem pelo Japão tinha outras paradas.
Depois de Okinawa, fui para a província de Aichi, onde vive uma boa parte dos decasséguis, os brasileiros que trabalham nas fábricas japonesas. Tive uma grata surpresa ao perceber que, nos últimos dez anos, muitas mudanças ocorreram. Hoje a comunidade brasileira está quase completamente adaptada à cultura japonesa. Os brasileiros criaram raízes fortes com o Japão (os filhos dos decasséguis são praticamente japoneses) e, por isso, poucos pensam em voltar ao Brasil. A barreira da língua ainda existe, mas as prefeituras também se adaptaram. Avisos e regras geralmente são escritos em japonês e português.
A minha outra parada no Japão foi a famosa cidade de Osaka, a terceira maior do país. Tive só dois dias para explorar o lugar. Além de visitar museus e castelos, destaco duas experiências memoráveis. Assisti um trecho de uma peça de bunraku (teatro de bonecos japonês, que não tem nada de infantil). Cada boneco precisa de três pessoas para lhe dar “vida”. Há ainda um narrador e um músico (que toca shamisen, uma espécie de violão japonês). O narrador é figura central porque é o único que tem voz durante todo o espetáculo. Além de narrar, ele lê todas as falas dos personagens, dando emoção à estória. Bunraku é uma arte onde somente os homens são autorizados a encenar.
A minha outra experiência inesquecível foi tomar banho, mas não um banho comum. Fui a um sento, um banheiro público onde há ofuros de diversas temperaturas e até uma sauna. Antigamente, não era comum as casas japonesas terem banheiros, daí a origem dos sentos. Em geral, somente idosos frequentam esse tipo de lugar, por isso a minha presença, uma gaijin mais jovem que a maioria, foi ainda mais inusitada. Apesar de ter lido sobre como me comportar nesse ambiente, cometi algumas gafes, que prefiro nem mencionar aqui.
Após Osaka, fui para Kyoto, a primeira capital do Japão. Como já conhecia a cidade, achei que somente um dia seria suficiente para visitar alguns pontos turísticos. Errei feio. Kyoto é o tipo de lugar que merece ser visitado com calma. Como gosto de ver tudo com detalhes, só deu tempo de ir ao templo Kyozumi-dera, um dos mais populares em Kyoto, e visitar o santuário Fushimi Inari, onde há um corredor de arcos (torii) que percorre o topo de uma montanha. Cada arco contém frases de gratidão. Diz a lenda que se você fizer o percurso, de quatro quilômetros, terá corpo e alma purificados. Encarei o desafio num calor de 35 graus. Preciso dizer: isso é só para os fortes e os caçadores de Pokémon (porque eles estão em toda parte!).
Para fechar essa jornada, não poderia deixar de visitar a cidade do meu coração, Tokyo. Aproveitei o (pouco) tempo que tinha para rever alguns amigos, fazer umas comprinhas (encontrei uma loja com 90% de desconto!) e quis fazer coisas que só os japoneses fazem. Como sou apaixonada por gatos, fui a um nekko cafe, uma cafeteria onde há muitos gatos. Fiquei chateada porque, pelas regras da casa, era proibido colocar os bichanos no colo. Também fui a um maid cafe, onde as garçonetes se vestem como empregadas sexys e falam com uma voz bem fina, tentando ser kawaii (fofas) em nível máximo. Nesse lugar, ao invés de dizersumimasen (que significa “por favor” quando se quer chamar alguém) o cliente fala nham-nham (como uma criança que não sabe pronunciar palavras). Imaginem eu dizendo “nham-nham, poderia me trazer um chá gelado?” E a maid respondia, “claro nham”. Para tudo elas colocavam o nham no final. São coisas que você só vai ver no Japão.
Não tive tempo para conhecer muitos outros lugares interessantes, como butler cafe, a versão masculina domaid cafe, e inúmeros restaurantes temáticos, que só existem em Tokyo. Assim, concluo que não tenho outra saída. Serei obrigada a voltar ao Japão (e espero que seja em breve!).
Pelo Mundo
A Coluna 'Pelo Mundo' traz sempre experiências de campo-grandenses pelos quatro cantos do globo. Hoje, o depoimento foi de Daiane Tamanaha, que é campo-grandense de coração, jornalista e atualmente ensina português na Universidade de Princeton, nos Estados Unidos.