Cunha empareda governo e agiliza reforma política que o PT não quer

O novo presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), emparedou o governo já em seu primeiro dia no comando da Casa. Cunha driblou o PT e permitiu o avanço de uma emenda constitucional com propostas de reforma política não prioritárias para o partido, entre elas um teto de despesas de campanha, a instituição do voto facultativo, a criação de cláusulas de barreira e o fim da reeleição para cargos do Executivo. Apesar dos esforços de deputados petistas e da base aliada, decidiu-se em votação simbólica que o projeto reúne os requisitos formais para seguir em tramitação. Agora, será criada uma comissão especial para discutir o mérito da matéria. 

O nó da questão para o PT é o financiamento privado de campanha – prática que o partido do governo sonha em proibir. Os petistas alegam que vetar doações eleitorais de empresas significaria também dar fim aos esquemas de caixa dois e aos laços entre políticos e grandes companhias – como as empreiteiras, atualmente no centro da Operação Lava Jato. Durante reunião do Diretório do PT, no fim de 2014, a presidente Dilma Rousseff chegou a dizer que a origem da corrupção está no financiamento privado de campanha, classificado por ela como “a semente de um processo incontrolável”. 

O argumento ignora o fato de que a derrama de dinheiro público nas campanhas não eliminaria o incentivo para que as legendas e os políticos continuassem a buscar dinheiro de maneira clandestina para alimentar suas atividades. Tampouco declara que o PT seria o maior beneficiário do financiamento público exclusivo.  Atualmente, cabe ao partido a fatia mais gorda do fundo partidário – o fundo que financia as atividades de agremiações políticas. Esse dinheiro, que é público, é dividido entre os partidos conforme o número de votos para a Câmara e o tamanho da bancada de deputados eleitos. O PT elegeu o maior número de deputados em 2014.

Ao longo de tumultuada sessão desta terça, o líder do PT, Vicentinho (SP), não escondeu o receio de ver a bandeira petista derrotada. Pela proposta em discussão, o financiamento de campanha pode ser privado, público ou uma combinação dos dois, a critério do partido. O projeto também institucionaliza as chamadas doações ocultas, repasses que são feitos diretamente para o caixa dos partidos e não para os candidatos. “Falta apenas um voto para acabar com o financiamento privado. O fim do financiamento dos grupos econômicos torna esta Casa mais independente”, disse o petista. Ele fazia referência ao julgamento sobre financiamento de campanhas que transcorre no Supremo Tribunal Federal. A votação ainda não foi encerrada por um pedido de vista do ministro Gilmar Mendes. Falta um único voto para que a tese do financiamento público exclusivo saia vencedora. 

Cunha decidiu levar a proposta ao plenário após a matéria ficar engavetada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) por iniciativa de deputados do PT. É nessa comissão que é analisada a admissibilidade das matérias. Como o projeto não tinha andamento há mais de um ano, Cunha invocou o prazo de cinco sessões estipulado pelo regimento da Câmara para que a admissibilidade de um tema seja apreciada.  “O objetivo não é atropelar e impor nenhum tipo de matéria. É dar uma resposta à sociedade”, disse, ironizando o fato de que, embora essa seja uma bandeira de campanha de inúmeros políticos – entre eles a própria presidente Dilma –, os deputados “fogem” na hora de votar a reforma política. 

Mudanças – A reforma política em discussão abre espaço para doações de recursos por entidades sindicais – hoje proibidas de doar – a fundos especificamente arrecadados para fins eleitorais e propõe que seja fixado em lei um valor máximo para as doações de pessoas físicas e jurídicas. Pelas regras atuais, empresas podem doar até 2% do seu faturamento bruto do ano anterior à eleição. No caso de pessoas físicas, a limitação é 10% do rendimento do ano anterior ao pleito. 

No conjunto de propostas sobre mudanças político-eleitorais ainda estão o fim da reeleição para presidente, governador e prefeito e a criação de federações partidárias em que as coligações de partido formadas para a disputa de eleições para deputado e vereador devem permanecer juntas até o fim da legislatura.

Barreira ao Kassab – Já no início de seu mandato como presidente da Câmara, Eduardo Cunha tem revelado um interesse especial sobre questões que atingem diretamente partidos políticos. Além de batalhar pela manutenção do financiamento privado de campanha, ele articula minar uma das principais metas do ministro Gilberto Kassab, das Cidades, que trabalha para tirar do papel mais um partido: o PL. Pela proposta articulada por Cunha, somente vão poder se fundir a outras agremiações as legendas que tenham sido criadas há mais de cinco anos. Se aprovado, o projeto inviabiliza a meta de Kassab de fundir o PL ao seu outro partido, o PSD, e formar uma das maiores bancadas da Câmara. Aliada ao PT, essa aglutinação de partidos que o ministro quer criar tiraria a força do PMDB, hoje o maior partido na Casa – o que justifica a investida pessoal de Cunha em dificultar a iniciativa. 

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