A tropa de Dilma para enfrentar um Congresso sem paz

No discurso que Dilma Rousseff fez na noite de 26 de outubro, depois de ser reeleita presidente da República, a palavra "diálogo" foi citada cinco vezes – duas a mais do que "Brasil", por exemplo. "Vou estimular o mais rápido possível o diálogo e a parceria com todas as forças produtivas do país. Antes mesmo do início do meu próximo governo, prosseguirei nessa tarefa", prometeu ela. O que se viu de lá para cá, entretanto, foi uma presidente isolada e silenciosa. No fim das contas, sem fazer o diálogo prometido, ela recorreu a um antigo método para escolher sua equipe e obter apoio no Congresso: a concessão de espaços na equipe ministerial, por critérios que são tudo menos meritocráticos. Pior: nas duas falas que fez ao tomar posse do novo mandato – no Congresso Nacional e no parlatório – o diálogo e qualquer aceno à oposição desapareceram.

O segundo mandato de Dilma Rousseff começou no dia 1º de janeiro com muitos problemas em potencial a resolver: o escândalo da Petrobras continua no noticiário, a economia patina e não há um grande projeto para impulsionar o governo. Além disso, o contínuo esvaziamento da base aliada nos últimos anos pode se agravar no próximo Congresso, no qual numericamente a oposição será maior e mais barulhenta do que foi no primeiro mandato de Dilma – e terá fortes líderes no Senado. O governo perdeu o apoio do PSB e já não pode contar com uma parte significativa dos votos peemedebistas e de integrantes do PP, siglas enroladas com o petrolão. O favorito para presidir a Câmara é um nome mal visto por ela: Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

As fragilidades da base governista aumentaram durante as eleições, com o choque de interesses entre o PT e muitos de seus aliados.Com isso, tornou-se necessário recompor a base de apoio no Parlamento. Mas, em vez do prometido diálogo e da busca pelo consenso, Dilma preferiu manter o loteamento de cargos.

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O método é antigo, mas, com a redivisão de forças após as eleições, alguns grupos ganharam importância. É o caso do PSD. Presidido por Gilberto Kassab, o partido já comandava o Ministério da Micro e Pequena Empresa com Guilherme Afif Domingos; a nomeação, entretanto, não foi tratada como uma "indicação" da sigla, e sim uma escolha pessoal da presidente. Agora, com Kassab à frente de uma pasta importante como a as Cidades, assume em definitivo o rótulo de governista. Dono da quarta bancada da Câmara ao lado do PP, o partido de Kassab deve ser um aliado fundamental para o governo no próximo mandato. 

O PRB, ligado à Igreja Universal do Reino de Deus, tem atualmente dez deputados e passará a ter 21, praticamente o mesmo número do DEM. O crescimento do partido também se refletiu no loteamento ministerial. A presidente retirou Aldo Rebelo do Esporte (PCdoB) para nomear o deputado George Hilton (PRB-MG), cuja biografia tem como ápice a expulsão do então PFL após ser flagrado com 600 000 reais em malas de dinheiro.

O preço da lealdade não é segredo. O que garante a maioria governista no Congresso é a nomeação de indicados dos partidos para cargos estratégicos da administração pública – prática que ajuda a explicar praticamente todos os escândalos de corrupção da última década no governo federal.

"A presidente já demonstrou querer que o partido participe da administração", diz o líder do PTB na Câmara, Jovair Arantes (GO). Hoje, ele mantém o presidente e o diretor financeiro da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Além de manter os cargos na cota da bancada, o parlamentar quer mais: "A ideia é ampliar o espaço que a bancada não teve no governo passado", diz ele, cobrando a fatura do apoio dado à reeleição da presidente mesmo quando a direção do PTB fechou apoio a Aécio Neves (PSDB). As conversas já estão em andamento.

O líder do Pros na Câmara, Givaldo Carimbão (AL), prefere não falar em cargos: diz que a nomeação de seu correligionário Cid Gomes para a Educação tem pouca relação com o apoio ao governo no Congresso. "Cid tem aquele estilo que todo mundo conhece, mas para nós não influencia muito. Nossa relação nossa com a presidente a é muito estreita. Nós tivemos junto da campanha desde a fundação do partido até agora", assegura. Criado em 2013, o Pros terá dez deputados na próxima legislatura e é outro partido que ganhou espaço na Esplanada.

Em fevereiro, tomarão posse 198 deputados novatos – quase 40% do total da Câmara. Só a partir de fevereiro, com a posse do novo Congresso, é que a real dimensão da nova base aliada ficará mais clara. A primeira tarefa será a aprovação do Orçamento de 2015 sem surpresas ou novos atrasos. 

Outro aspecto negativo para o governo é a pulverização: nunca houve tantos partidos representados. São 26 com pelo menos um deputado federal. Ao todo, onze siglas tem até cinco parlamentares na Câmara. Quatorze possuem até até dez. Isso torna mais difícil a formação de um bloco unificado de apoio ao governo e aumenta o grau de imprevisibilidade das votações no Congresso.

Além de assegurar a fidelidade de partidos aliados, a presidente ainda busca coesão dentro do próprio PT. Nomeações como a de Kátia Abreu para a Agricultura desagradaram grande parte dos petistas, e parlamentares da sigla acreditam que Dilma os preteriu na montagem do ministério. Sem paciência para o contato direto com parlamentares, ela apoia Arlindo Chinaglia (PT-SP) para a presidência da Câmara contra Eduardo Cunha (PMDB). O parlamentar é um nome experiente e respeitado pelos colegas. Mais do que isso: um dos raros deputados a ter interlocução com Dilma. Mas isso não é garantia de votos na Casa. Pelo contrário: o inteligente Chinaglia se irrita quando é apresentado como "o candidato do governo" porque sabe que isso o deixa mais distante da vitória. Sinal dos tempos.

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