A Embrapa Cerrados (DF) recebeu na última segunda-feira (23) a visita de um grupo de 21 alunos dos cursos de Agronomia e de Engenharia Agrícola e Ambiental da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM – Campus Unaí). Acompanhados pelos professores Hermes da Rocha (da disciplina Irrigação), Alessandro Nicoli (Fruticultura) e Lucas Santana (Máquinas e Mecanização), os estudantes assistiram a apresentações do chefe-adjunto de Transferência de Tecnologia, Fábio Faleiro, e da pesquisadora Maria Emília Alves no auditório Wenceslau Goedert e nos campos experimentais da Unidade.
Faleiro fez a apresentação institucional do centro de pesquisas, destacando a revolução da agropecuária brasileira nos últimos 50 anos que tornou o Brasil um importante produtor e exportador de alimentos. Grade parte desse processo se deveu à conquista do Cerrado, que teve a contribuição decisiva das pesquisas desenvolvidas pela Embrapa Cerrados.
O pesquisador falou sobre as principais linhas de pesquisa e tecnologias da Unidade, bem como a inserção do centro nos atuais objetivos estratégicos finalísticos da Embrapa (recursos naturais e mudanças climáticas, tendências de consumo e agregação de valor, segurança alimentar e Saúde Única, produção sustentável e competitividade, bioeconomia e economia circular, inclusão socioprodutiva e digital, tecnologias emergentes e disruptivas); e a busca pelo equilíbrio entre agronegócio, sociedade e recursos naturais. “A conquista do Cerrado não seria possível sem políticas públicas, ciência, tecnologia e inovação, extensão rural e transferência de tecnologia, mas, principalmente, sem a força do produtor rural brasileiro”, afirmou.
Importância da agricultura irrigada
Ao fazer um panorama sobre a agricultura irrigada, Maria Emília Alves lembrou que a agricultura é a atividade humana que mais depende das condições do tempo e do clima. Nesse sentido, o déficit hídrico é o principal fator climático de risco para a agricultura brasileira – e é aí que reside a importância da irrigação.
Entre as vantagens da agricultura irrigada, ela apontou a redução do risco climático, a verticalização da produção (com o aumento da produtividade e a utilização do solo durante todo o ano), a agregação de valor aos produtos e a geração de empregos – todos esses fatores contribuem para o aumento e a estabilidade da oferta de alimentos e, consequentemente, para a segurança alimentar e nutricional.
Segundo dados apresentados pela pesquisadora, os 12% de área agrícola do mundo irrigados respondem por 40% da produção de alimentos. No Brasil, a área irrigada em 2021, de acordo com a Agência Nacional de Águas (ANA), era de 8,2 milhões ha (sexta maior do mundo), representando menos de 20% da área cultivada, porém mais de 40% da produção de alimentos, fibras e cultivos bioenergéticos.
A agricultura irrigada tem expressiva participação, no País, em culturas como café (os 12% do parque cafeeiro irrigado correspondem a 30% da produção nacional), feijão (a terceira safra só ocorre se for irrigada), arroz (90% da produção nacional provém dos 77% irrigados de toda a área plantada), hortaliças (cerca de 90% da produção é irrigada, com indução social e de renda e uso em boa parte pela agricultura familiar) e na fruticultura (permitindo colheitas durante quase todo o ano e em grandes escalas, além da expansão da atividade em regiões antes consideradas inviáveis).
Em 2014, um estudo publicado pelo o Ministério da Integração Nacional, atual MIDR, em parceria com a USP/Esalq, estimou que o Brasil tem potencial efetivo, em curto e médio prazos, para irrigar 13,7 milhões ha, considerando as áreas com atualmente com disponibilidade hídrica, fornecimento de energia elétrica e viabilidade logística para escoamento da produção. “Mas a expansão das áreas irrigadas precisa ser feita com sustentabilidade, com condições de produzir sem degradar o meio ambiente”, ponderou a pesquisadora, acrescentando a necessidade de políticas públicas que favoreçam essas condições.
Por fim, Alves destacou que em 15 de junho é comemorado o Dia Nacional da Agricultura Irrigada, que busca não apenas promover a conscientização sobre o segmento como também estabelecer a relação equilibrada entre a produção de alimentos e o meio ambiente, unindo os setores envolvidos e apoiando o desenvolvimento agropecuário sustentável do País. A data foi escolhida por ser próxima ao Dia Mundial do Meio Ambiente (5 de junho) e por estar no início da estação seca em grande parte das regiões produtoras brasileiras, período em que a produção de alimentos é quase totalmente dependente da irrigação.
Cultivares de pitaya e sistema de produção
Nos campos experimentais, os estudantes conheceram a área de experimentos com pitaya. Fábio Faleiro falou sobre as características das cultivares lançadas em 2023 pela Embrapa Cerrados – BRS Luz do Cerrado, BRS Lua do Cerrado, BRS Granada do Cerrado, BRS Âmbar do Cerrado e BRS Minipitaya do Cerrado.
Os materiais foram selecionados e validados em diferentes regiões brasileiras e sistemas de produção. Além de se destacarem pelo sabor adocicado, pela resistência a doenças e pelas produtividades bem superiores à média nacional (3 t/ha), as cultivares são autocompatíveis, ou seja, produzem frutos sem a necessidade de polinização cruzada, dispensando a realização da polinização manual pelos agricultores durante a madrugada, quando as flores se abrem.
O pesquisador também comentou sobre aspectos de manejo e do sistema de produção da pitaya, além de explicar que o programa de melhoramento genético, iniciado na década de 1990, trabalha, principalmente, as características de produtividade e de qualidade física e química dos frutos, a exemplo da doçura. “Acredito que o lançamento dessas cultivares e da tecnologia tem potencializado o cultivo da pitaya no Brasil, do Rio Grande do Sul até Roraima”, comentou.
Mas informações sobre a cultura e o sistema de produção podem ser encontradas na publicação Pitaya: uma alternativa frutífera, bem como sobre a utilização gastronômica em Pitaya: 200 formas de utilização em receitas doces e salgadas.
Irrigação por gotejamento subterrâneo
Na Unidade de Referência em Manejo de Água (URMA 2), área de 2 ha onde foi implantado um sistema automatizado de irrigação por gotejamento subterrâneo, Maria Emília Alves e o técnico Orlando Viera explicaram o funcionamento da casa de bombas, dos tanques para bombeamento, dos tubos enterrados a 28 cm de profundidade e dos sensores que compõem o sistema, além da montagem dos experimentos, iniciados na safra 2023/24.
A tecnologia de gotejamento enterrado já é bastante utilizada em cana de açúcar e, em menor extensão, na cafeicultura e na fruticultura. Na Embrapa Cerrados, porém, ela está sendo testada para o cultivo de grãos. São avaliadas diferentes lâminas de irrigação e a fertirrigação em soja (em quatro blocos) e milho safrinha (em dois blocos) e, nos dois blocos restantes da área, são conduzidos testes de reinoculação da soja com Bradyrhizobium spp. Segundo a pesquisadora, a principal vantagem do sistema é a maior eficiência de aplicação de água, além de facilitar os tratos culturais e o manejo das culturas.
Entre os testes realizados, o estudo do bulbo molhado verifica se a água aplicada no subsolo atinge a superfície e em quanto tempo, o que foi demonstrado em uma trincheira cavada na área do experimento. Para avaliar a lâmina d’água para irrigação, o sistema pode trabalhar com níveis de água no solo de 20%, 40%, 60% e 100% da capacidade de campo.
“Avaliamos o tempo de funcionamento do sistema e a umidade do solo para podermos recomendar a lâmina d’água ideal para esta condição do experimento”, explicou a pesquisadora, destacando que o ponto mais desafiador do uso do sistema com cultura de grãos é a disponibilização de água para a germinação das sementes. “Quando a cultura se estabiliza, o movimento da água é suficiente para satisfazer a necessidade das plantas”, completou.
Já os sensores verificam a variação de umidade no solo, a percolação da água e a umidade em diferentes profundidades, informações que são úteis ao manejo da irrigação e vão permitir o estabelecimento do perfil da movimentação da água ao longo do solo, segundo Alves.
A pesquisadora Solange Andrade falou sobre os testes com a reinoculação de Bradyrhizobium spp. em soja, que está sendo avaliada tanto por meio do sistema de irrigação subterrânea como pela aplicação por barra pulverizadora. Os tratamentos são comparados a uma área testemunha onde não há a reinoculação. Os testes foram realizados no último verão (período chuvoso) e estão sendo repetidos neste inverno (período seco). Ela explicou que a ideia é verificar se a reinoculação afeta o rendimento de grãos da cultura e, em caso positivo, como ocorre esse efeito.
Conhecimentos para a formação acadêmica
O professor Hermes da Rocha, que trouxe alunos pela terceira vez à Unidade, explicou que a visita dos estudantes a uma área de pesquisa para avaliarem os trabalhos realizados em fruticultura e irrigação é de grande importância para a formação dos acadêmicos. “São alunos em final de curso e consideramos que é extremamente importante que eles tenham esse contato com a pesquisa, com a ciência, com equipamentos de última geração e com o que está sendo gerado. É certamente algo que vai acrescentar bastante à formação dos nossos estudantes”.
Stefany Suaris está no último ano do curso de Engenharia Agrícola e Ambiental concordou com o professor, sobretudo quanto ao que aprendeu sobre o sistema de irrigação por gotejamento subterrâneo. “Foi uma novidade que pudemos ver na prática. Minhas dúvidas foram bastante atendidas. Quero muito trabalhar com pequenos produtores e, como aqui o trabalho é mais voltado à pesquisa, isso ajuda bastante para levarmos novas tecnologias à agricultura familiar para otimizar o tempo e o recurso dos agricultores”, disse.
Aluno do nono período de Agronomia, Guilherme Alves comentou que o sistema de irrigação subterrâneo apresentado é uma tecnologia nova no mercado, e que ainda há falta de informação sobre as lâminas d’água para o manejo da irrigação. A irrigação por microaspersão observada na cultura da pitaya também chamou a atenção do estudante, acostumado a ver a cultura sendo irrigada por gotejamento.
Ele acrescentou que a visita também possibilitou o despertar dele e dos colegas para a área da pesquisa, uma vez que muitos geralmente buscam atuar em áreas comerciais. “Essas inovações nos despertam a buscar a parte de pesquisa. No meu caso, na parte de irrigação, (gostaria de) buscar adaptar lâminas d’água para culturas diferentes, porque hoje, comercialmente, não há tantos dados concretos”.