O Consórcio Guaicurus acumula perda de R$ 377 milhões entre 2013 e 2024 e a tarifa do transporte coletivo acumula defasagem de 44% – o que poderá elevar a atual tarifa acima de R$ 7. A constatação é da perícia judicial realizada pelo IBEC Brasil – Instituto Brasileiro de Estudos Científicos, realizada por determinação da 1ª Vara de Fazenda Pública de Campo Grande.
O parecer revela amadorismo dos últimos quatro prefeitos – Alcides Bernal (PP), Gilmar Olarte (sem partido), Marquinhos Trad (PDT) e Adriane Lopes (PP) – que não autorizaram os reajustes previstos no contrato e promoveram alterações na concessão sem base técnica ou pareceres da Agereg (Agência Municipal de Regulação dos Serviços Públicos) e da Agetran (Agência Municipal de Transporte e Trânsito).
A perícia mostra que o transporte coletivo se transformou em uma “bomba”. As empresas não possuem condições de realizar os investimentos, a prefeitura pode ser obrigada a quitar uma conta milionária (o equivalente a dez vezes a dívida que deixou a Santa Casa em colapso) e o usuário pode pagar caríssimo por um transporte coletivo velho, precário e superlotado.
“Preocupa a situação evidenciada no laudo de que o contrato permaneceu e permanece em desequilíbrio deixando um rastro de precariedade de serviços e colocando o usuário como pagador de um serviço de qualidade inferior”, lamentou o presidente da CPI do Consórcio Guaicurus, vereador Lívio Leite, o Dr. Lívio (União Brasil).
“Não sabemos como o juizado procederá quanto a dívida da prefeitura para com a concessionaria (377 milhões sem considerar multas, juros e correção monetária) o que impactará substancialmente os cofres da administração”, alertou.
Usuário será castigado com passagem mais cara
A perícia aponta que o reajuste entre 2013 e 2024 na tarifa do transporte coletivo deveria ser de 141,97%, mas o valo só teve correão de 66%, de R$ 2,85 para R$ 4,75 (o levantamento considera o valor de dezembro do ano passado, antes do reajuste de março deste ano). No ano passado, a defasagem era de 44% e o valor da tarifa deveria ser de R$ 6,86 – ou seja, R$ 2,11 acima do valor cobrado na época.
O perito considera apenas as mudanças no contrato de concessão ao longo dos anos. Foram cinco termos aditivos, todos sem qualquer justificativa, parecer técnico ou jurídico. Bernal mudou a data-base de março para outubro e reduziu em 71% a tarifa para Anhanduí, de R$ 10 para R$ 2,85.

Em 2022, Marquinhos criou duas tarifas, a pública, que é paga pelo usuário e a de remuneração, que passou a ser usada como critério de subsídio para ser paga pelo poder público. Em dezembro de 2022, Adriane (mas o perito diz que era Marquinhos) passou a compensar o Consórcio Guaicurus pela gratuidade dos idosos graças ao repasse do Governo federal.
Houve redução de 43% no total de usuários transportados entre 2009 e 2024, de 81 milhões para 45,6 milhões por ano. Considerando-se apenas os pagantes, houve queda de 37,8% entre 2012 e 2024, de 53,6 milhões para 33,3 milhões. O número de passageiros gratuitos despencou 39,2% no mesmo período, de 20,228 milhões para 12,295 milhões.
Dívida impagável
O populismo dos prefeitos, de autorizar reajuste inferior ao previsto no contrato, e o amadorismo, de promover mudanças sem respaldo técnico, pode levar a Prefeitura de Campo Grande a herdar uma dívida impagável com o Consórcio Guaicurus. Os R$ 377 milhões não auferidos nos últimos 11 anos vão ter acréscimo de juros, correção monetária e juros.
“As análises revelam que, embora a receita bruta realizada tenha superado a projetada nos exercícios de 2015, 2016, 2022 e 2024, o comportamento global é marcado por instabilidade significativa, com queda acentuada nos exercícios de 2013, 2014, 2020, 2021, 2022 e 2023, em especial anos afetados pela pandemia da COVID-19 (2020 e 2021)”, pontua o Ibec Brasil.
“Tais resultados revelam não apenas o impacto de eventos macroeconômicos inesperados (COVD-19), mas também impactos decorrentes das omissões e intervenções contratuais em desacordo com a modelagem econômica e estruturante definida inicialmente para a concessão”, destacam.
Pela estimativa dos peritos, o consórcio deveria faturar R$ 2,311 bilhões entre 2012 e 2024. No entanto, a receita real ficou em R$ 1,844 bilhão. Como houve compensação de R$ 89,7 milhões, a conta caiu de R$ 466,8 milhões para R$ 377,031 milhões.
“Assim, tem-se que as ‘Receitas Inauferidas’, base de referência 2013/2024, representadas por aquelas receitas que deixaram de ingressar no ‘Fluxo de Caixa’ do concessionário, ao longo do período analisado (mar/13 a dez/2024), calculada pela diferença entre as Tarifas Contratuais (previstas) e as Tarifas Publicadas (praticadas), perfazem o valor nominal de R$ 466.818.637,29”, apontou.
“Ainda, para a apuração das receitas inauferidas, considerou-se os valores das ‘Tarifas Compensatórios’, ou seja, aquelas pagas pelo Poder Público, que ingressaram no fluxo de caixa do concessionário a título de subvenção/subsídios tarifários, ao longo do período analisado (mar/13 a dez/2024), que perfizeram o valor total nominal acumulado de R$ 89.102.394,00 (…), conforme detalhamento em tabelas e demonstrativos anexos ao Laudo Pericia”, calculou.
“Por fim, pode-se concluir que o valor nominal da diferença acumulada entre as ‘Receitas Inauferidas’, abatidos os valores a título de subsídios tarifários – ‘Tarifa Compensatória’ pago pelo Poder Público, é de R$ 377.031.572,22 (…), valores que representam o valor histórico, não aplicados incrementos de eventuais juros, encargos e/ou atualização monetária, por não haver parâmetros, critérios e/ou referenciais indicados em Decisão Judicial que balizem tais os cálculos”, concluíram.
A perícia vai embasar o pedido de reequilíbrio econômico financeiro do Consórcio Guaicurus. Além de subsidiar a ação de 2019, o estudo pode manter os 98 ônibus velhos nas ruas, que a prefeitura determinou a retirada imediata. Isso porque o grupo vai alegar não ter condições para realizar os investimentos para a aquisição dos veículos novos.
É mais um problema para uma cidade que agoniza sem perspectiva de solução e com problemas na gestão.
