Documento é “apagado” no Portal de Transparência do Município de Campo Grande

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Simone Bastos Vieira recebeu dois salários em outubro do ano passado, mês da eleição, segundo o Portal da Transparência. Ela ganhava R$ 5.359,59 por mês, conforme dados publicados no site da Prefeitura de Campo Grande.

O Jacaré procurou a prefeita e a assessoria para ter mais informações a respeito da publicação no Portal da Transparência, mas não houve nenhuma manifestação. Contudo, após o envio do e-mail, houve a exclusão do pagamento de um dos salários da ocupante do cargo comissionado do site.

Ao consultar o Portal da Transparência no início da semana, O Jacaré encontrou que constava o pagamento de dois salários para Simone Bastos Vieira, como pode ser verificado abaixo. Ela teria recebido R$ 5.359,59 brutos e R$ 4.369,07 líquidos duas vezes.

Até segunda-feira, Portal da Transparência mostrava que assessora lotada no gabinete recebeu dois salários em outubro (Foto: Reprodução)

Na segunda-feira (7), O Jacaré questionou a assessoria de Adriane sobre o pagamento em duplicidade para a assessora de Adriane em outubro, coincidentemente, o mês das eleições no ano passado. No entanto, não houve resposta da prefeitura nem da chefe do Poder Executivo.

Contudo, o segundo pagamento foi excluído do Portal da Transparência, como pode ser conferido abaixo. Só ficou o registro do pagamento do salário “normal”.

Após prefeita ser questionada pelo pagamento, sistema excluiu o segundo salário e só ficou um (Foto: Reprodução)

Prefeitura não respondeu e-mail, mas “apagou” informações divulgadas pelo Portal da Transparência (Foto: Reprodução)

Jurista vê improbidade administrativa ao “apagar dados” do Portal da Transparência

Diante dos fatos, o site Diário MS News acionou o jurista Themis Souza Fenelon Pedroso para redigir um parecer jurídico sobre o que determina a Lei da Transparência Pública Municipal. “O presente parecer jurídico visa analisar as graves denúncias veiculadas no site ‘O Jacaré’ acerca de possíveis irregularidades envolvendo a servidora comissionada Simone Bastos Vieira.

Para Themis Souza Fenelon Pedroso, a “omissão de informações e a possível manipulação de dados no Portal da Transparência representam um sério desrespeito aos princípios da publicidade, transparência e moralidade administrativa, basilares da gestão pública”. “A legislação brasileira, em especial a Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2011) e a Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/1992), estabelece rigorosas obrigações aos gestores públicos no que tange à divulgação de informações de interesse público e à correta aplicação dos recursos. A conduta da administração municipal, ao supostamente omitir ou alterar dados no Portal da Transparência, pode configurar atos de improbidade administrativa, sujeitando os responsáveis a sanções como a perda da função pública, a suspensão dos direitos políticos e o ressarcimento ao erário”, ressaltou no parecer.

O jurista reforçou que, diante do exposto, o parecer teve como objetivo analisar as consequências e as penalidades decorrentes da omissão, alteração e forja de dados no Portal da Transparência, bem como avaliar a responsabilidade dos agentes públicos envolvidos nas supostas irregularidades. “A análise se baseia na legislação pertinente, na jurisprudência dos tribunais superiores e nos princípios constitucionais que regem a administração pública, buscando fornecer ao site O Jacaré uma orientação jurídica clara e precisa sobre os fatos narrados. A gravidade das denúncias exige uma apuração rigorosa e a responsabilização dos culpados, a fim de garantir a lisura da gestão pública e a confiança da população nas instituições democráticas”, disse.

Themis Souza Fenelon Pedroso completou que a matéria demandou acurada análise à luz dos princípios constitucionais que norteiam a atuação da administração pública. “A alegação de pagamento duplicado à servidora, seguida da supressão de informações no Portal da Transparência, configura, em tese, grave afronta aos preceitos da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, insculpidos no artigo 37 da Constituição Federal. A transparência, em particular, assume papel de destaque, porquanto instrumentaliza o controle social sobre os atos da gestão pública, permitindo que a sociedade fiscalize a correta aplicação dos recursos”, narrou.

Ele prosseguiu, acrescentando que a conduta de, em tese, ocultar informações relevantes no Portal da Transparência, notadamente aquelas relacionadas a pagamentos efetuados à assessora, desvirtua a finalidade precípua desse instrumento de controle, obstando o exercício da cidadania e a verificação da conformidade dos gastos públicos com a lei. “A omissão ou a manipulação de dados nesse canal de comunicação representam, em princípio, transgressão aos deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições, configurando, em tese, ato de improbidade administrativa, nos termos do artigo 11 da Lei nº 8.429/92”, pontuou.

A subsunção da conduta ao tipo previsto no artigo 11 da Lei de Improbidade Administrativa reside no potencial violação ao dever de probidade, caracterizada pela prática de ato visando a fim proibido em lei ou diverso daquele previsto na regra de competência. “A eventual intenção de ocultar a utilização de recursos públicos para fins eleitorais, mediante a supressão de informações no Portal da Transparência, revela, em tese, o desvio de finalidade e a afronta aos princípios da administração pública, sujeitando os responsáveis às sanções previstas na lei”, ressaltou.

O Decreto-Lei nº 201/67, que dispõe sobre a responsabilidade dos prefeitos, apresenta-se como importante instrumento para a responsabilização do agente político em face de condutas lesivas ao erário e à moralidade administrativa. “Embora a situação em apreço não configure, em tese, a apropriação ou desvio de bens públicos, a manipulação de dados no Portal da Transparência para ocultar a utilização de recursos públicos em benefício de campanha eleitoral pode ser interpretada como uma forma de desvio de finalidade, enquadrando-se, por analogia, na conduta descrita no artigo 1º, inciso I, do referido decreto-lei”, afirmou.

Por isso, no entender do advogado, “a observância da Lei de Acesso à Informação e a garantia da transparência na gestão pública são deveres indeclináveis dos gestores públicos”. “A omissão ou a manipulação de dados no Portal da Transparência, com o objetivo de ocultar, configura, em tese, grave violação aos princípios da legalidade, da moralidade e da transparência, sujeitando os responsáveis às sanções previstas na lei”, concluiu.

Outros casos

A reportagem do Diário MS News encontrou inúmeros casos de municípios onde crimes semelhantes aconteceram pelo Brasil afora. Um deles foi publicado pelo site da CNN Brasil em janeiro deste ano e trata sobre o caso de ex-servidores da Prefeitura de Novo Horizonte do Norte, no Mato Grosso, investigados por apagar arquivos de computadores da prefeitura.

Segundo a Polícia Civil do Mato Grosso, as investigações começaram após uma denúncia apontar que funcionários da gestão anterior haviam apagado dados digitais antes da posse do atual prefeito. No mesmo dia da denúncia, agentes cumpriram mandados de busca e apreensão na sede da prefeitura, onde recolheram equipamentos e documentos.

Os ex-servidores são investigados por peculato eletrônico, crime que, de acordo com a delegada responsável pelo caso, Luceni Santana, envolve a destruição de documentos digitais. Ela disse que essa prática pode causar graves prejuízos administrativos e comprometer a transparência da gestão pública.

Conforme publicado, o prefeito de Nova Horizonte do Norte, Agenor Júnior (Republicanos), registrou boletim de ocorrência (BO) denunciando que os computadores de diversas secretarias municipais foram formatados para, supostamente, impedir que a nova gestão tenha acesso aos dados da administração pública e ocultar informações sensíveis da gestão anterior. No BO, constam como suspeitos o ex-prefeito Silvano Pereira Neves (MDB) e a ex-secretária municipal de Administração Letícia Castilho.

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