Apesar de se falar tanto na importância do voto das mulheres, com a mídia chamando a atenção para o fato de que mais da metade do eleitorado brasileiro é composto pelo sexo feminino, elas continuam preferindo votar em homens. Em Campo Grande (MS), onde mais de 54% do eleitorado é formado por mulheres, a Câmara Municipal tem apenas uma mulher entre os 29 vereadores, demonstrando que aqui também elas preferem votar neles.
Segundo o cientista político Antonio Ueno, diretor-presidente do Grupo Ranking, no caso da Capital, a tradição de votar em homens vem da época dos velhos “coronéis”. “No passado, em Mato Grosso do Sul, lugar de mulher era simplesmente como dona de casa que cuidava do lar, mas, hoje, é diferente. Elas são maioria no número de eleitores, todavia, as mulheres ainda continuam não votando em mulher”, destacou.
Ele acredita que talvez seja uma questão de cultura. “A mulher não quer ver a outra crescer com mandato político, se destacando e isso é uma barreira a ser quebrada porque os maiores problemas de uma cidade estão nas áreas de educação, saúde e segurança pública e quem mais necessita de melhorias nesses pontos são as mulheres. Pra mudar isso só se as mulheres fazerem política como os homens, se masculinizar”, pontuou.
Nas áreas da saúde e da educação, conforme Ueno, além delas próprias, há a necessidade de atender os filhos, assim como na segurança pública, pois muitas são maltratadas pelos companheiros. “Então, a mulher necessita mais de políticas públicas do que os próprios homens. Todavia na hora de voltar, elas ainda votam em homens e não elegem mulheres”, lamentou.
O cientista político recordou que, no passado, o voto da mulher não era levado em consideração pelos candidatos como uma variável fundamental e também a própria ausência da mulher na vida política parlamentar não preocupava os formadores de opinião e principalmente os partidos políticos. “O Brasil é hoje um dos países de menor presença de mulheres no parlamento, ocupando o 148º lugar no ranking de mulheres no parlamento, em um total de 180 países”, revelou.
Para ele, os nossos índices se assemelham aos dos países muçulmanos, onde, como é sabido, as mulheres têm enormes restrições para participar do mundo político. “Na Argentina, por exemplo, as mulheres são 40% dos parlamentares, enquanto aqui no Brasil só respondem por 9%. Após 30 anos de feminismo e de importantes vitórias das mulheres, feministas ou não, é incompreensível o fato de as mulheres que se propõem a serem prefeitas, governadoras e até presidentes da República não contarem com o voto feminino”, ressaltou.
Pesquisa
Antonio Ueno lembra que a primeira pesquisa espontânea de intenção de votos para os cargos de vereadores de Campo Grande feita pelo Instituto Ranking Brasil Inteligência, sob encomenda do site Diário MS News, revelou que a renovação da Câmara Municipal deve passar dos 50% em 2024. Ele citou que muitas mulheres aparecem bem no levantamento e isso pode representar que, nas eleições municipais do próximo ano, mais mulheres podem ser eleitas vereadoras em Campo Grande.
O cientista político ressaltou que, dentre as citadas, estão a ex-deputada federal Rose Modesto, a Delegada Sidnéia Tobias, a esposa do ex-deputado federal Loester Trutis, a Raquelle Trutis, a empresária Elaine Pires e as radialistas Keliana Fernandes e Bruna Lopes. Para a Delegada Sidnéia Catarina Tobias, a política precisa de mulheres que sejam comprometidas com as pessoas, que vejam e façam valer o seu mandato em prol da sociedade.
“Temos muitos problemas e a renovação traz esperança para todos. O fato é que precisamos de mudança, principalmente dentro dos partidos políticos para que parem de enxergar a mulher somente como cotas e nos vejam com capacidade de estar na política. Com a informação chegando em tempo real para as pessoas atualmente, creio que as escolhas mudem. Creio principalmente que as mulheres, que são maioria na Capital e maioria no eleitorado, saibam hoje da importância de ter mais mulheres na política”, pontuou.
Ela reforçou que as mulheres são as que mais sofrem no dia a dia, com a falta de segurança pública, de saúde e educação de qualidade, de políticas públicas efetivas para as mulheres e para as famílias. “A mulher preocupa-se com todos e não somente com ela e sente o peso da ausência de mulheres na política que tenham este entendimento e que lutem por dias melhores para todos”, argumentou.
Já a radialista Bruna Lopes ressaltou que as mulheres são a maior parte do eleitorado, mas há muita dificuldade em fazer uma mulher votar em outra mulher. “Eu penso que nós temos de quebrar essa cultura porque precisamos de mais representantes femininas na Câmara Municipal de Campo Grande. Hoje, nós só temos uma representante na Casa de Leis e isso é uma vergonha. Precisamos ter mais representatividades para lutar pelos nossos direitos”, assegurou.
Para ela, há tanta violência contra as mulheres e, geralmente, é a mulher que está à frente de tudo. “É a mulher que vai levar o filho ao posto de saúde, ela quem sabe a necessidade de que leva o pai, de levar a família, é a mulher que vai à escola, que entende toda a necessidade da população. A mulher sempre está à frente de tudo, mas, infelizmente, na Câmara Municipal ela não está à frente. Então isso eu acho que eu acredito que nós temos que mudar e já vejo que elas estão sentindo essa falta”, revelou.
Então, de acordo com a radialista, é por isso que acredita que nas próximas eleições teremos um número maior de mulheres concorrendo. “É isso que eu acredito hoje. Eu acredito que as pessoas sentem essa necessidade de mais mulheres dentro da Câmara Municipal”, analisou.
A gestora de projetos do CRAS (Centro de Referência da Assistência Social da Vila Nasser, Juscelene Barbosa, ressaltou que as pesquisas são muito importantes e demonstram que as mulheres têm se interessado mais pela política, mas a falta de recurso para que elas concorram de igual para igual com os homens faz muita diferença. “Porém, eu acredito que teremos mais mulheres concorrendo em 2024 porque as coisas estão mudando. Eu sigo acreditando, porém, o que que a gente vê infelizmente é a questão das verbas partidárias, que são poucas”, lamentou.
Juscelene Barbosa completou que as cotas são uma conquista das mulheres, mas, com relação à aplicabilidade delas, ainda é uma coisa que merece mais atenção. “Nós vimos nas últimas eleições que um deputado estadual eleito está com o mandato sub judice e que provavelmente vai perdê-lo pelo fato de o partido não ter cumprido o que estabelece a lei. Então, eu acredito que nós teremos mais mulheres sim porque acredito na política e sigo confiante de que isso vá fazer o diferencial, embora estejamos ainda engatinhando nesse sentido”, ressaltou.
A gestora de projetos do CRAS da Vila Nasser acrescentou que acreditaria muito mais se já fossem reservadas uma quantidade de cadeiras nos parlamentos municipais, estaduais e nacionais só para as mulheres. “Para nós mulheres seria mais interessante, uma vez que essas verbas partidárias vêm para os partidos e a maneira como é feita a divisão não respeita o direito conquistado pelas mulheres. Mas eu sigo confiante e acredito sim que nós teremos mais mulheres na Câmara Municipal na próxima eleição, a gente segue confiante de que nós somos, afinal de contas, nós somos mais de 54% do eleitorado”, argumentou.